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Entretanto, isso não significa que o rural desaparece ou deixa de apresentar singularidades. Pelo

contrário, como afirma o próprio Lefebvre, “entre as malhas do tecido urbano persistem ilhotas de

ruralidade

‘pura’, torrões natais frequentemente pobres (nem sempre), povoados por camponeses

envelhecidos, mal ‘adaptados’ (...)” (LEFEBVRE, 2006, p. 19). A persistência dessas áreas em meio

urbano evidencia as contradições existentes no espaço e a agricultura urbana – oriunda de “áreas

remanescentes” (áreas rurais que foram incorporadas às cidades com o avanço da urbanização) ou

praticada por migrantes do campo que não conseguem se inserir no mercado de trabalho formal

das cidades – é uma clara ilustração da descrição do autor.

De fato, a dinâmica urbana ameaça a permanência de áreas produtivas no perímetro das cidades

e em suas proximidades, especialmente as mantidas pela população mais pobre, pois, segundo

Doralice Maia (1999), as atividades primárias são as mais frágeis e aquelas que mais facilmente se

retiram na disputa pelo solo urbano. Além desta dificuldade, outras se impõem na reprodução da

atividade agrícola nas cidades, conforme ilustram Daniela Almeida e Heloisa Costa (2014), tais

como: o valor elevado dos impostos territoriais urbanos; o avanço do perímetro urbano sobre o rural,

através de alterações normativas; a pressão pela construção de moradias; a degradação dos

recursos naturais nas cidades (água, terra e ar); e a pouca expressividade e, consequentemente,

poder político, de organizações de base voltadas à agricultura urbana.

Contudo, ainda segundo Almeida e Costa (2014), essas questões têm sido pouco evidenciadas nas

discussões relacionadas ao planejamento das cidades, tendo tido maior destaque as abordagens

que entendem a prática da agricultura urbana e outras demandas sociais a partir da matriz da

modernização ecológica, definida por Henri Acselrad (2001) como aquela que considera os

problemas ambientais sob uma perspectiva econômica e técnica, deixando de lado a reflexão sobre

as relações existentes entre a desigualdade social e a proteção ambiental. Assim, enquanto se

evidenciam hortas orgânicas produzidas em telhados de shopping centers e “fazendas verticais”

como uma via de “sustentabilidade ambiental” do planejamento territorial, se negligencia a

existência de agricultores urbanos que sobrevivem da sua produção, especialmente nas franjas do

tecido urbano, enfrentando problemas típicos das áreas periféricas (precariedade de serviços

públicos, infraestrutura e insegurança), além daqueles associados à urbanização extensiva.

Entender a agricultura urbana a partir da perspectiva da justiça socioambiental é direcionar o olhar

para a prática dos grupos sociais historicamente excluídos, como os produtores e/ou comunidades

tradicionais que sobrevivem da atividade agrícola e os que a utilizam como fonte de renda

complementar, buscando o alinhamento entre as dimensões sociais e ambientais. Essa abordagem

se torna ainda mais importante, quando se identifica que muitas das iniciativas de AUP estão

situadas nas áreas delimitadas para proteção ambiental dos municípios, devido à proximidade com

recursos naturais (corpos d’água e terra fértil, por exemplo), que estas proporcionam, facilitando o

cultivo de espécies vegetais. Além disso, quando se trata de grupos historicamente excluídos,

afetados pela desigualdade e pouca efetividade das políticas públicas de acesso à terra e a moradia

do país, estes buscam atender suas necessidades de morar em áreas que não podem ser ocupadas

pelo mercado imobiliário formal, entre elas os espaços ambientalmente protegidos. Isso significa

que algumas das áreas destinadas à agricultura urbana e periurbana podem também se configurar

como assentamento precário .

Muitas vezes, essa situação resulta em conflitos, especialmente quando a produção agrícola ocorre

na forma convencional (com o uso de agrotóxicos, adubos químicos e prevalência da monocultura),