Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Midiatização e jornalismo 53 o que estamos chamando de “inculcação” designa um processo ativo de introjeção de conteúdos intelectivos na consciência in- dividual ou coletiva, decorrente de um regime discursivo mais ou menos unitário a que se pode dar o nome de “ideologia”, por menos monolítico ou mais conceitualmente ambíguo que seja. A “exposição”, em contrapartida, diz respeito à criação de uma am- biência (modos de sentir, de viver) que preside ao socius como uma atmosfera hegemônica, pautada por uma lógica mais emo- cional do que sígnica, mais formal (o falatório, por exemplo) do que semântica, logo, mais subconsciente do que consciente. O que chamamos de prevalência da lógica de mercado – correspondente na esfera de funcionamento dos dispositivos de comunicação/informação ao fenômeno da “ midiatização” – é um efeito automático da financeirização, concebida como máquina tecnossocial capaz de mobilizar formas diferentes de poder. Ao lado do poder como pura e simples dominação (a hierarquia do poder institucionalizado), aventa-se a hipótese do poder como rede (as matrizes intersticiais de influência), que constitui na verdade a ampliação da velha metáfora da imprensa como um “quarto poder”. Nessa configuração se retrai o alcance político da informação, uma vez que o espaço público é configurado pri - mordialmente por mercado e por dispositivos de informação. Entra em crise toda a mitologia liberal da opinião pública , de- sencadeada por Rousseau (pela primeira vez numa carta, às vésperas da Revolução Francesa, depois em O Contrato Social ) a partir da ideia iluminista de que a opinião pública, suposta- mente um reflexo da vontade geral, poderia contrabalançar o exercício do poder. A rigor, não existe essa “opinião pública” (que se con - funde com senso comum ou com formações de consenso ideo- lógico) a não ser como ficção do liberalismo político erigida por mecanismos institucionais. A imprensa livre nasce como um co- rolário da instituição moderna do consenso liberal-democrático. Ainda que se estruturasse empresarialmente (portanto, com ob- jetivos comerciais), o lado “instituição” preponderaria ideologi- camente sobre o lado “organização”. Mas essa institucionalização entra em crise com a reor- ganização neoliberal do modo de produção e das formas de vida

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