Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização
Muniz Sodré 52 um pacto simbólico de transparência ou de veridicção, isto é, de comunicação de uma verdade consensual. Para o jurista e escritor oitocentista Oliver Wendell Holmes, “o melhor teste da verdade é o poder que tem uma ideia de ser aceita na competição do mercado”. Holmes era um pragmatista norte-americano, afeito à ideologia competitivista do darwinismo social, mas a sua frase se ajusta bem ao embate pela hegemonia (convencimento, persuasão, influência) na mo - derna esfera pública. Trocar essa esfera pela palavra “mercado” tem, porém, algo de premonitório: a cidadania que hoje serve de referência a essa nova qualificação histórica da existência cha - mada bios midiático é basicamente a cidadania consumidora. O social passa a ser qualificado por capacidade de consumo – isto é o que passa a definir a agenda pública, assim como restaurar a velha tipificação do “cidadão passivo”. Socializar-se não seria politizar-se, mas consumir. A consciência individualista sobre- põe-se, no espaço público, às injunções políticas de responsabi- lidade social. Na lógica atual do mercado, verdade é um produto reiterado , não por consenso liberal, mas pelo automatismo ine- rente ao circuito discursivo dos dispositivos de mídia. Análoga à formulação da propaganda nazi-fascista de Goebbels (“uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade”), a verdade é como um prego que se martela na parede. Mas fora do escopo da pro- paganda clássica, ou seja, da intenção de inculcar um ponto de vista supostamente verdadeiro, o jogo atual do mercado e da rede se perfaz pela amplificação tecnológica (a eletrônica e a se- miose redefinem e alargam o espaço) do ponto de vista. Este, em vez de apenas “martelado”, é “irradiado” (pelo que os especialis- tas chamam de câmara de eco ), ao modo de uma contaminação atômica ou viral. Não há propriamente inculcação (exceto em estraté- gias deliberadas de desinformação), e sim autoengano por sutis mecanismos de exposição : não mais se trata da verdade suposta- mente inscrita no fato como uma essência inquestionável – que dava origem à ideologia técnica da objetividade jornalística –, mas do desejo do fato (aquele que se deseja receber) – articulado com a lógica segmentada do mercado, em vez de um paradigma politicamente referido a ideais de soberania popular. Com efeito,
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