Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
Dialogando sobre saúde indígena Kaingang em tempos pandêmicos (Covid-19) 89 chegarmos lá, nos demos conta que esquecemos a colher necessária à montagem do chimarrão. E foi essa colher que nos aproximou das pessoas e nos fez sentir, pela primeira vez, realmente vinculadas com a comunidade. Foi nessa tarde que entendemos a importância elementar para produzir saúde: estar presente. Não adiantava atividades prontas ou manuais embaixo do braço, era preciso estarmos atentas às dinâmicas da vida em comunidade, e estas se davam nas relações, nas trocas. Para Mauss (2003), as trocas ocorrem na coletividade não sendo somente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, ou seja, coisas úteis economicamente. São, em primeiro lugar, amabilidades, banquetes, mas também ritos, mulheres, crianças, danças, festas. De forma geral, o que é dado é retribuído, executando os contratos reais, concretos. Este potente encontro que tivemos é uma forma de exemplificar como foi a nós – mulheres brancas e não indígenas – aprender a lidar melhor com o sentimento de sermos estrangeiras, foi ao não termos um planejamento prévio que nos foi possível (com) versar sobre a vida naquela tarde de sol; tomamos chimarrão, trocamos saberes, contamos histórias, comemos laranjas junto das famílias Kaingang. Genuinamente fizemos saúde e finalmente neste dia, não falamos em doenças. Com esta vivência, entendemos ainda que, procurávamos por “conquistar” um lugar na comunidade, como se tivéssemos ainda que pertencer àquele espaço, e, foi quando não o encontramos que entendemos que não devíamos sequer tê-lo buscado. Saúde indígena e a (in)visibilidade “Que nunca ninguém seja obrigado a contar apenas com suas próprias forças para se fazer ouvir 7 ”. A saúde indígena ou o “Bem Viver” ultrapassa o paradigma dicotômico mente-corpo, trazendo a saúde como conexão integral ao corpo, já que, para os povos originários, ela não faz sentido quando fragmentada em saúde física e saúde mental. Se não há saúde do espírito, o corpo adoece. Se não há conexão do corpo com a mãe-terra, com os territórios, o indivíduo está fragmentado, e, por isso, sofre. 7 Comitê Invisível, Crise e Insurreição, 2016. P. 75
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