Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

186 Entrevista com Emerson Merhy “por que o conselho central do Pc do B decidiu”. Isso constrói um imaginário do que é ser esquerda. Gente, isso é a produção da derrota. Então enfrentar uma pauta complicada que nem essa, uma pauta sobre um não saber, uma pauta sobre a decolonidade, uma pauta sobre as novas possibilidades e potenciais no processo formativo, uma pauta sobre o que é mesmo a política, exige um coletivo com uma perspectiva de mundo completamente diferente do que o campo da esquerda tem fabricado. Eu percebo, por exemplo, em certos líderes de povos originários brasileiros, muito mais potência de visão de mundo, de capacidade discursiva, do que qualquer líder da chamada esquerda brasileira. Quando eu olho um Davi Kopenawa 21 , Ailton Krenak, uma quantidade de mulheres indígenas, nas lutas que elas fazem, eu fico pensando: Essas caras são os nossos filósofos do futuro. A esquerda não dá muita importância pra eles, quando dá é para querer que sejam candidatos filiados a partidos. Do ponto de vista da macropolítica eu sou pessimista, do ponto de vista da micropolítica eu sou otimista, porque a micropolítica é o campo da produção de corpos e de novas subjetivações, novas possibilidades, pra mim é onde eu sinto uma alegria, de tentar e inventar e construir novos processos relacionais. Agora nós estamos dando aula na pós-graduação do EICOS e temos 50 e tantos alunos, nós estamos inventando um curso, que seja um curso que não seja EAD, que não seja nada desses cursos, de transferência para o remoto, o que é um curso que se faz na sala de aula. Estamos tentando inventar, fazendo um esforço gigantesco, mas não é esse o padrão. Tem muita gente que faz isso, mas não como um campo, um campo que tenha substância até de discursividade, no nosso mundo atual. CADERNOS : A micropolítica como um espaço de resistência e criação então. MERHY : É, eu acho que é onde a gente pode resistir né. Como coletivo que somos, ou seja, onde a gente pode experenciar o coletivo que somos. Dar vazão ao coletivo que somos, eu acho que essa é a grande questão que está na pauta, desse nosso desafio. Eu vejo que a pandemia coloca tudo isso em pauta, eu não estou nem chegando perto de dizer o quanto a pandemia trouxe pra cena a precarização da produção das existências, não cheguei nem perto dessa conversa. Eu poderia dizer pra vocês que, recentemente, estou envolvido com um processo de pesquisa onde coordeno em nível nacional um conjunto de pesquisadores que está 21 Davi Kopenawa Yanomami é xamã e porta-voz do povo Yanomami.

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