Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
170 Entrevista com Emerson Merhy do não saber no momento em que você vive uma crise sanitária. Como que você trabalha com o não saber? Mas o problema desses cinco países não é o do não saber, o problema desses cinco países tomando como medida de padronagem a China e a Coreia do Sul, é o de não adotar medidas que se sabe que poderiam ter influenciado os resultados que nós temos em torno do número de casos e número e de mortes, e que são medidas sanitárias clássicas, e então eu posso voltar também – porque é muito interessante – a falar do século XIV. Apesar de toda a evolução aparente de uma ciência do campo da biomedicina em que agora nós falamos em moléculas, falamos em produzir os corpos, falamos em intervenções de produção de vida, ou seja, somos produtores de criaturas. Já temos assim uma objetividade a uma pretensão da filosofia do século XV, XVI. Giordano Bruno 5 era alguém que colocava: o homem pode ser o produtor de criaturas, que nem Deus, não é? Nós estamos nesse patamar, a gente vai e produz vidas que não existiam... Apesar disso tudo, aparece um vírus, um vírus que já existia, e que começa a causar um conjunto de efeitos onde a gente diz que a única coisa que se tem para intervir é voltar para medidas sanitárias que há séculos, anterior de toda essa biomedicina, já se praticava, o isolamento, uma certa clausura, uma vigilância intensiva dos corpos no sentido de aplacar o processo de contaminação e talvez, a modernidade maior que a gente tenha tido de enfrentamento, as máscaras contemporâneas. Que diferentemente das máscaras no passado, as máscaras contemporâneas têm uma capacidade de isolamento um pouco maior do processo de contaminação pessoa a pessoa. Enigmático, não é? Talvez este seja o único itemde modernidade sanitária por enquanto, que de fato produziu impacto no processo atual da pandemia. As máscaras que usávamos há 100 anos na gripe espanhola, por exemplo, não tinham uma efetividade no bloqueio de processo de contaminação. Tirando isso, nós não temos novidade nenhuma no horizonte, apesar de todo o avanço da medicina. Mas mesmo diante desta precária possibilidade de intervenção, estes cinco países, por exemplo, que eu estou elencando, EUA, Índia, Brasil, Bélgica e Chile não o fizeram – eu diria que Chile e Bélgica tem um processo mais grave, que eles uma quantidade de população menor que estes 5 Giordano Bruno (1548-1600) foi um filósofo, matemático, teólogo e religioso italiano. Defendia a teoria heliocêntrica, afirmava a existência de outros mundos e ainda questionava a natureza divina de Jesus Cristo.
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