Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

168 Entrevista com Emerson Merhy mundial – a não ser casos muito isolados como o Ebola na África, coisas assim – vivida também pela experiência brasileira. Então eu, nestes 47 anos de vida profissional como médico nunca vivenciei neste nível o que estamos vivenciando. Que é altamente impactante. Eu diria e não sei se isso já entra um pouco na minha maneira de entender a situação que vivemos: eu diria que a Pandemia vem acelerar processos. Eu acho que ela coloca em pauta uma aceleração de processos e torna visível já um conjunto de outros processos que se desenhavam antes mesmo da pandemia, mas que diante desta situação que a gente vive, não só no Brasil, no mundo – mas no Brasil por características próprias – ela torna praticamente muito visíveis questões que já vivíamos de uma maneira muito intensa. Isso é o que eu acho que a Pandemia nos trouxe. Fora a experiência de um isolamento que no Brasil não é tão compulsório, mas é um isolamento que boa parte das pessoas passam a praticar. Eu estava na Europa, janeiro, fevereiro quando a Pandemia começa a se expandir no norte da Itália, por exemplo. Eu estava no norte da Itália naquele período; vivencio um pouco o começo do pânico. Saio da Itália numa dúvida que todos tínhamos, se conseguiríamos ou não poder fazer a viagem de retorno ao Brasil. Já vivíamos naquele mês de fevereiro – eu volto bem no final de fevereiro – um clima bem temeroso, vamos dizer assim. Mas o Brasil vai criar um mecanismo muito peculiar que eu tenho chamado de medidas insanitárias. Sob vários aspectos. Cadernos : Uma das questões que nós pensamos em conversar contigo surge a partir das tuas palestras mais recentes, pois ficamos muito atentos e impressionados. Falavas em aspectos fundamentais em relação a essa Pandemia. Umas delas diz respeito a organização equivocada da gestão que o Brasil faz, da forma como organizaram esta política do cuidado. Falastes também em países como o Chile e os Estados Unidos. Trata-se das medidas insanitárias? Merhy: Eu vejo que a Pandemia traz para cena uma evidência do esgotamento. Talvez um dos pensadores brasileiros que melhor conseguiu caracterizar ou discutir o tema do esgotamento é o Peter Pal Pelbart 4 . Ele traz pra cena que a gente experencia claramente, e já vinha 4 Possui graduação em Filosofia pela Sorbonne (Paris IV – 1983) e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1996). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Trabalha com Filosofia Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: Deleuze, Foucault, tempo, loucura, subjetividade, biopolítica. (texto informado pelo autor Plataforma Lattes CNPq)

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