Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

162 Josias S. Fontoura representar uma espécie de enquadre clínico. Nesse sentido, caberia um questionamento que deve perseguir os terapeutas contemporâneos: o que fundamenta sua prática clínica? Qual a possibilidade de inovação, (re)invenção e adaptação frente a fenômenos que alteram a realidade das relações e dos modos de viver? Não é possível estar pronto para essas situações inusitadas, mas estar aberto a trabalhar com elas é uma condição essencial. O recurso substancial que se pôde empregar nos esforços de transposição foi o manejo da linguagem, suportada pela transferência. Nesse sentido, os fundamentos da clínica psicanalítica se mostraram efetivos e esse conceito, em especial – a transferência – passou a ser posto à prova nessa nova modalidade em que não se podia contar com o corpo presente, apenas com um corpo presentificado pela virtualidade. Sobre esse ponto, ainda resta a analisar: o que se perde com essa transposição? Há certamente muitos ganhos, como os que poupam distância, tempo, despesas de locomoção, por exemplo, quando o paciente pode “se conectar” a partir de casa. Porém, o que se perde em contrapartida ainda é uma pergunta a ser investigada com mais tempo de experiência a partir das novas vivências que se iniciaram com a pandemia. Por fim, outra questão não menos importante que está pontuada nesse relato é a posição das instituições e seus efeitos no atravessamento de uma crise. Pelas experiências descritas em A e B, fica clara a necessidade de manutenção de um campo de troca que esteja no domínio institucional, o espaço de reunião por excelência. Os obstáculos se tornam pesados demais quando a realidade da instituição não dá suporte à realidade a se desdobrar lá na ponta, no atendimento de um técnico a um paciente. Além disso, sem o espaço de elaboração dentro da instituição, não há brecha para o movimento instituinte, fazendo recair seu funcionamento num conjunto de normas cristalizadas, onde se executa o normativo ou se levanta defesas sobre ele. Nesse aspecto, vale também o questionamento sobre o que fundamenta a ética de trabalho em uma instituição, o que embasa o modo como compõe suas relações e como mantém suas equipes e práticas de trabalho. Como se viu nesse relato, uma instituição pode abrir ou fechar possibilidades no percurso de uma crise, o que sempre terá consequências para o atendimento psicológico prestado por meio dela.

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