Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

160 Josias S. Fontoura faria a chamada de vídeo, mantendo sempre um certo atraso – atuação que permitiu a ela colocar em questão uma elaboração sobre isso a partir do momento que notou esse padrão se repetindo em novo contexto. Em outro caso, a mãe de um menino costumava ficar em torno do filho enquanto ele estava na chamada de vídeo, participando e auxiliando a todo momento – o que permitiu colocar em questão na relação mãe-filho os limites e a necessidade de espaço que o filho tinha para a construção de sua autonomia e individualidade. Um dos principais impasses desse tempo de transposição dos modos de atender foi o fato de não se poder fazer previsões sobre até quando iriam as novas combinações e que outras direções se necessitaria tomar, pois depende-se de fatores da ordem das recomendações de saúde, de modificações na economia e mesmo de possibilidade de manutenção dos serviços. Nesse sentido, os pacientes das instituições ficaram um pouco mais em suspenso, pois as mesmas poderiam mudar de posição a cada período de poucos dias, dependendo das diretrizes às quais estavam vinculadas, seguindo os terapeutas a lógica desses movimentos. Na clínica do consultório particular, também pairou essa expectativa de mudança, porém com maior estabilidade, no sentido de o terapeuta ter mais autonomia sobre como proceder. Em ambos os casos, no entanto, essa suspensão dos enquadres até então estabelecidos operou de modo positivo no aspecto clínico, exigindo aos pacientes um enfrentamento da nova condição e uma elaboração das perdas sobre a condição anterior – tanto na estrutura de atendimento quanto na estrutura da vida cotidiana, que também foi abalada. Digamos que, clinicamente, o trabalho se desdobrou de forma um pouco mais íntima e reveladora sobre a condição psíquica. Essa característica de suspensão de uma realidade e transposição para uma outra, a ser experimentada, esteve favorecida no trabalho pela abordagem da Psicanálise, método que justamente tenta sempre partir de uma condição singular da narrativa do paciente e não dos parâmetros da normalidade. A pandemia teve esse especial efeito, de obrigar cada um a inventar um jeito de atravessar a crise, já que o meio social deixou de fornecer a estrutura cotidiana que mediava o individual e o coletivo até então. A partir destas observações, é importante apontar que o fazer clínico pode ser um tanto artesanal, independente do cenário em que opere. As instituições fornecem diferentes condições para um

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz