Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
158 Josias S. Fontoura (inconsciente) para a pessoa do terapeuta (FREUD, 1912/2010). Ou seja, transferência nesse contexto significa o paciente supor no saber do outro algo sobre si, uma ilusão de que esse outro terá algo a lhe revelar sobre si mesmo, que ele próprio não sabe. Ocorre que, tecnicamente, esse saber é sempre do paciente, sendo necessário que a função daquele a quem esse é endereçado seja a de sustentar essa posição sem ocupá-la. Ou seja, o terapeuta deve suportar essa idealização que o paciente lhe dirige, que geralmente contempla o retorno de sentimentos e reações de alguém importante na sua história (FREUD, 1938/2018), como o pai ou a mãe, por exemplo. Assim, em um primeiro tempo da transferência, ela se manifesta na relação paciente-terapeuta e pode então ser interpretada pelo terapeuta. Em um segundo tempo do trabalho em transferência, essa poderá ser gradativamente liquidada, devolvendo ao paciente o saber que ele antes endereçara a outro e atribuindo-lhe a responsabilidade sobre as condições de sua vida, como fica ilustrado na célebre pergunta de Freud à Dora, em um de seus relatos de caso mais conhecidos: “qual é a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?”. (FREUD, 1905/2016). Essa introdução ao conceito de transferência é válida para pensarmos que, em Psicanálise, os próprios termos do contrato inicial são fatores constituintes desse laço transferencial. Assim, não é sem efeitos que um paciente pague pelo seu atendimento um valor que ele mesmo proponha, ou um valor que o terapeuta proponha, ou o valor que uma instituição assistencial lhe enquadre; tal qual não é sem efeitos que o atendimento ocorra em um consultório, ou pátio, ou andando na rua. A transferência com o terapeuta e a gradual atribuição de saber e responsabilidade sobre os acontecimentos da vida, que retornam ao paciente num tratamento, são condições que funcionam no trabalho com pacientes que estejam introduzidos e situados na linguagem e que tenham alguma autonomia. É com esse público que se poderá verificar adaptações mais rápidas e eficazes na modalidade de atendimento virtual, tanto no consultório particular quanto nos atendimentos em instituições. Com as crianças e compacientes psicóticos ou autistas, omanejo da transferência pode ser feito com aqueles que lhes dão suporte, os pais ou responsáveis. Nesses casos, as intervenções com o paciente
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