Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

Do eclipse aos raios de sol: um relato de atendimento clínico interrompido pela Covid-19 149 Perante nosso processo terapêutico, a realidade externa se faz mais forte e nos força a interromper as sessões de psicoterapia. A pandemia se inscreve quase como uma punição no processo de Sol, que assim que deixa seus raios atingirem o outro, deve se recolher e entrar em isolamento. O Covid-19 instaura uma barreira da realidade sobre o vínculo, que anteriormente ficava na fantasia, no conflito intrapsíquico e, a partir disso, promove uma descontinuidade do processo. A partir de diretrizes do CFP, o meu contato com Sol ficou restrito durante quase cinco meses. Não era concedido por parte do abrigo que entrássemos em contato e os atendimentos psicoterápicos estavam suspensos de maneira remota. Somente após esse período pude entrar em contato com o abrigo e, nesse contato, descubro que Sol mudou de instituição. Quando perguntadas sobre o motivo da mudança, foi informado que achavam que Sol não estava se adequando mais ao local, e seria melhor para a menina ser transferida. O abrigo, nesse movimento, repete todos os abandonos sofridos pela menina, de maneira a reforçar essas defesas que estávamos procurando desmanchar. A mim fica também essa responsabilidade. O processo terapêutico é interrompido e, junto dele, nossa perda de contato. A nova casa lar em que a menina residia se recusou a retornar os atendimentos, dizendo que acreditavam que Sol estava muito bem, não trazia problemas e era muito querida com todos. O desinvestimento na menina se concluí na impossibilidade de retornar aos atendimentos, retornar a um local de troca, de possibilidade de ligação e novas produções. O recolhimento da menina se intensifica, na medida em que se certifica de que o investimento no outro (e o retorno desse investimento para si) culminam em um único destino: Abandono. Dessa forma, a pandemia instaura de forma traumática uma repetição das relações de Sol, culminando num novo eclipse de seus investimentos. O abandono se torna novamente presente, à medida em que o isolamento social intensifica as defesas da menina que não se permite investir e ser investida. Proporciona uma possibilidade de abandono do tratamento por parte do abrigo, que entendia que Sol se fazia “mais fácil de lidar” sem a continuidade da psicoterapia. A pandemia é, então, o outro que castra Sol e a impede, mais uma vez, de ver o outro e ser vista. A produção dessa escrita, espero eu, vem ao encontro do meu desejo de continuar investindo em Sol, na forma de produzir a partir de

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