Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
148 Eduardo Brusius Brenner A partir disso, podemos pensar em como a menina, mesmo mais atenta as suas repetições, continua nesse jogo de não integração das figuras femininas, nessa produção de salvar a mãe idealizada. Ao mesmo tempo, com o processo transferencial, a menina traz o conflito edípico para dentro da psicoterapia, sendo eu o objeto de desejo e, também, identificação. (FREUD, 1915/1976) “Eu às vezes me pergunto o que eu teria que fazer para ser psicóloga também, ser como tu, e poder ajudar as pessoas como eu sinto que tu me ajuda”. Os processos identificatórios de Sol, como vimos, se aliam muito a escolha objetal da menina. Ao mesmo tempo, resgatando os conceitos de narcisismo, podemos pensar em como Sol sempre mantém seus investimentos libidinais no outro, mesmo que esse não os retorne, narrando um Self empobrecido e desinvestido. Seja na continuidade de um investimento em um apadrinhamento que não existe mais, numa relação com a figura materna que não é correspondida, ou no contar de uma história de se sacrificar pela avó, não se importando com seu bem estar, Sol demonstra uma dificuldade em um investimento autoerótico, na medida que não consegue desinvestir dos objetos que não retornam o investimento para ela (somente em sua fantasia). (FREUD, 1914/1974). Podemos retomar, também, as questões de ideal de ego (nas quais já falamos aqui) para construir um entendimento sobre o que Freud chamaria de uma “falta de amor próprio”. Para o autor, o sujeito só consegue investir em si, se sentir amado, na medida em que investe no outro e possuem esse amor retribuído. Ou seja, é necessário que o investimento retorne para o eu para que se possa atribuir novos investimentos para si. (FREUD, 1914/1974). Nessa perspectiva, a retirada dos óculos de Sol pode nos indicar que a menina consegue buscar ligações a medida em que se vincula a mim e ao processo terapêutico. A possibilidade de reproduzir, através da transferência, uma ressignificação de seus conflitos, abre também a oportunidade da menina de conseguir se conectar com o outro, mesmo que isso possa custar uma possível nova frustração. Nesse percurso, Sol consegue deixar seus raios brilharem. Em nossa última sessão anterior a pandemia ela diz: “Sinto que estou me sentindo mais eu, mais Sol”.
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