Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

Do eclipse aos raios de sol: um relato de atendimento clínico interrompido pela Covid-19 147 Se um menino se identifica com seu pai, ele quer ser igual a seu pai; se fizer dele o objeto de sua escolha, o menino quer tê-lo, possuí-lo. No primeiro caso, seu ego modifica-se conforme o modelo de seu pai; no segundo caso, isso não é necessário. Identificação e escolha objetal são, em grande parte, independentes uma da outra; no entanto, é possível identificar-se com alguém que, por exemplo, foi tomado como objeto sexual, e modificar o ego segundo esse modelo. (FREUD, 1932/1976, p. 45). Através desses escritos de Freud podemos pensar em como Sol traz diversas vezes a identificação com a figura de Marcos, ao mesmo tempo em que rivaliza com Juliana pelo amor dele. Seu desejo de ocupar a mesma profissão que ele e seguir seus passos em criar uma carreira e família condizem com essa hipótese. Ou seja, nessa perspectiva, a menina se identifica com Marcos, ao mesmo tempo que o elege como objeto de desejo. Àmedida que Sol começa a construir ligação entre seus conflitos e padrões de relacionamento em psicoterapia, a menina começa a produzir um discurso menos angustiado, mas, ao mesmo tempo, mais carregado de sentimentos hostis. A menina, com suporte de minhas intervenções e vínculo, busca conectar os eventos da vida, se dizendo cada vez mais livre, mas, ao mesmo tempo, triste. Junto dessa mudança de comportamento de Sol, a assistente social do abrigo entra em contato comigo para falar que acredita que a menina está muito mais difícil de lidar pois, segundo ela, “passou a querer mais do que antes, mais do que podemos dar”. É interessante pensarmos como ocorre uma divergência de opiniões ao que tange a nova atitude de Sol, pois o abrigo entende esses novos interesses da menina como algo que passa a atrapalhar o convívio dela na casa. Enquanto era mais apática, cindida, a menina não os incomodava, mas a partir do momento que parte em busca do desejo, se torna um problema. Logo após o abrigo impedir a possibilidade de começarmos um atendimento duas vezes por semana, Sol diz: “Que bom que eu posso vir aqui. Queria ter mais momentos assim em outros locais. [...] A Carla (assistente social) não me escuta, e não quer que eu venha mais do que já venho. [...] Sabe, é muito bom estar aqui, me faz lembrar dos momentos com o Marcos, mas também como Juliana me tirou aquilo”.

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