Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

146 Eduardo Brusius Brenner Ainda sobre o afastamento do casal padrinho, era muito frequente a reclamação de que Sol se afastava ao máximo de Juliana, sempre a enfrentando e competindo, à medida que se aliava a Marcos e depositava nele toda sua afeição. Sobre esse conflito edípico de Sol, sugiro que nos atenhamos em diversas hipóteses, que podem coexistir, para analisarmos toda a extensão desse processo. (FREUD, 1924/1976). Como vimos na descrição de meus atendimentos com a menina, Sol narra uma madrinha que não se preocupa com ela, que sempre busca reafirmar que não a ama, sendo uma figura feminina extremamente negativa. Esse rechaço com a figura de Juliana pode ser entendido como uma tentativa de Sol de não se haver com as falhas da mãe biológica, a qual ela ainda investia muito, perpetuando uma representação de uma figura materna primária carinhosa. A menina não conseguia integrar os objetos, se mantendo sempre numa visão cindida sobre eles, se defendendo de um processo depressivo de percepção de que um mesmo objeto pode ser gratificante e frustrante. (KLEIN, 1957/1996 ). Se aliar a um novo objeto bom, seria admitir falhas na figura materna primária. Para que Sol se ligasse à uma nova figura materna, ela precisaria matar sua mãe biológica internalizada. Sobre essa dificuldade de integração dos objetos, trago o exemplo de uma fala de Sol: “Juliana é só ruim comigo, ela não se importa, nada. Eu sei disso. E eu sei que é o completo oposto de como é Marcos, eu sei que ele gosta de mim e quer ficar comigo. Ele não me quer mal, só bem. Ele nunca me fez nada de ruim. Ela sim.” Dada a importância que a psicanálise atribui ao conflito edípico (MOREIRA, 2004), somos referidos a pensar na dinâmica da menina nesse jogo de triangulação. Em diversas sessões, Sol relatava uma extrema identificação com a mãe, afirmando ser ela (Sol) a cuidadora da casa. Da mesma forma, em suas relações atuais, tem Marcos como seu objeto de desejo, buscando excluir Juliana (a mãe) desse relacionamento dual. Em A Dissecção da Personalidade Psíquica (1932/1976), Freud afirma que os processos de identificação não são o mesmo que a escolha objetal. Porém, alerta que é possível que uma escolha objetal “retorne” a um momento de identificação, sendo o objeto de desejo aquele com que o sujeito se identifica.

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