Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
Do eclipse aos raios de sol: um relato de atendimento clínico interrompido pela Covid-19 145 contratransferência na qual me sentia sem valor, não desejado pela paciente. (FREUD, 1913/1974, 1915/1976). À medida que Sol narrava os diversos abandonos que sofria, a menina produzia emmimumsentimento e desejo de tambémabandoná- la. Numa identificação projetiva (KLEIN, 1955/ 1996) maciça, me encontrava pensando quanto tempo faltava para o término da sessão, possuía uma irritabilidade nos assuntos repetitivos da paciente, assim como sentia, também, que estava de alguma forma sendo abandonado como ela. M. Klein (1946/1996 ) formula a identificação projetiva como um mecanismo defensivo frente às angústias esquizoparanóides 6 . Trata-se de uma forma específica de identificação que tem um caráter de expulsão violenta de partes do self para dentro do objeto, enfraquecendo o ego, gerando confusão e indiscriminação entre sujeito e objeto. (RIBEIRO, 2016). Frente a essas questões, em uma conversa com a assistente social do abrigo, ela me diz: “Juliana e Marcos (os padrinhos) me falam que não estão mais conseguindo manejar o desejo que estão sentindo de se desvincular de Sol. Me dizem o tempo todo de como eles sentem que estão se afastando dela, que acabam em algum momento não sabendo mais se os sentimentos que sentem são deles ou dela. [...] Me falaram que ficam com raiva e triste muito fácil, como se acompanhassem o que ela sente” Podemos pensar que essa identificação do casal padrinho com Sol pode ter sido um dos percursores do rompimento desse vínculo, numa dificuldade de Marcos e Juliana enfrentarem esses sentimentos e buscarem, também, acompanhamento para tentar permanecer com o apadrinhamento, quebrando essa repetição de abandonos. O casal, dessa forma, pode ter reforçado os processos defensivos da menina. 6 Conceito criado por M. Klein que estabelece o desenvolvimento da criança em suas posições que poderão estar mais ou menos presente em diversos momentos da vida do sujeito: a posição depressiva e esquizoparanóide. A posição esquizoparanóide, para a autora, seria um momento inicial da vida da criança, no qual ela ainda não consegue diferenciar o mundo interno do mundo externo, sendo todos os objetos e fontes de prazer/desprazer parte do próprio eu no bebê.
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