Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
144 Eduardo Brusius Brenner presa na angústia de um medo inominável, fugindo a todo custo da castração 3 . Essa hipótese se constrói a medida em que o atendimento da menina se configura em uma descarga constante, sem conseguir ouvir ou ligar minhas intervenções no início do tratamento. A dificuldade de perceber o outro e, a partir da relação terapêutica, a possibilidade de entrar em contato com as frustrações de sua história, produziam um discurso permeado pela angústia e o medo de ser castrada pelo outro. Tanto era sua angústia de ser castrada pelo outro, que Sol inicia o tratamento utilizando óculos que impediam minha visualização dela. A menina não conseguia ser vista por mim, pois não conseguia se afastar dos objetos de desejo que perdeu, sendo a eminência da castração pelo outro (pela transferência 4 , o terapeuta) o passo fundamental para a elaboração da perda do objeto. (FREUD, 1926/1976). Para além disso, Freud (1913/1974, 1914/1974) traz a concepção de que o sujeito é narcisisado, pulsionado 5 , a partir do olhar do outro, precisando que o outro o deseje, o sonhe para que, a partir desse eu ideal, possa se identificar e buscar seu próprio desejo. Assim, a forma com a qual desejamos sempre perpassará o desejo do outro, mas dependerá de nossos processos identificatórios com o que nos foi atribuído para que esse novo ideal de eu seja formado. (FREUD, 1913/1974, 1914/1974). Através dos óculos, Sol não permitia ser vista por mim, não conseguindo se defrontar com esse ideal de eu, num processo de exclusão do outro. Para a menina, era mais fácil me excluir da sessão, ou seja, não se haver com a expectativa/desejo do outro (que poderia castrá-la), do que se encontrar com suas identificações e desejos. A mim, os óculos também causavam uma espécie de solidão, a partir do momento em que tinha que segurar o discurso angustiado de Sol ao mesmo tempo que lidava com as questões contratransferenciais que surgiam ao longo do processo. Se somos construídos a partir do desejo do outro, Sol não se permitia investir em mim, produzindo uma 3 Em Freud (1924/1976), a castração marca o corte sofrido na relação do sujeito com a sexualidade, com sua satisfação primeira, de cunho autoerótico, no qual o outro lhe servia apenas como fonte de prazer. 4 Freud (1915/1976) discorre sobre o conceito de transferência, a qual seria a projeção de sentimentos e representações vinculados as figuras parentais primárias para a figura do terapeuta. 5 O autor trabalha a ideia de que o sujeito só passa a promover ligações, produzir desejo a partir da conexão com um outro que o cuide, promova significado.
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