Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões
142 Eduardo Brusius Brenner Sol falava de Marcos como figura paterna, comentava os momentos ternos que com ele partilhava. Falava em seguir seus passos profissionais, cursando gastronomia, e que adoraria ser uma grande chefe como ele. Ao ser perguntada sobre lembranças de seu pai biológico, Sol narra que nunca teve contato com ele, assim como nenhuma figura masculina. Descreve repetidamente que sua mãe fazia a função de suprir a família, enquanto ela, na ausência constante da mãe, supria o papel de proteger e cuidar da casa, mesmo tendo apenas 8 anos. Narra diversas vezes acontecimentos que, posteriormente, os contradiz. Porém, Sol não consegue conectar as contradições, muito menos falar sobre elas. Durante sua oitava sessão, Sol retoma: “[...] Uma vez eu levei uma facada pela minha vó. Eu tinha 6 anos. [...] Um homem nos assaltou eu pulei na frente para proteger ela. Eu a salvei. [...] Não me importava muito o que ia acontecer comigo, eu queria ajudar ela, não deixar que a machucassem, eu levei a facada na barriga, mas nem doeu, parece que nunca aconteceu”. Durante nosso sexto mês de psicoterapia, os padrinhos afetivos resolvem interromper o apadrinhamento, permanecendo apenas como “amigos” de Sol. Sol se dizia satisfeita com o término, afirmando que ainda poderiam se ver, mas agora como amigos. Ainda, dizia que isso melhoraria a relação entre eles e possibilitaria a formação de um vínculo com novos padrinhos. A menina mantém o discurso sobre os ex-padrinhos durante as sessões seguintes, sempre se mostrando extremamente ligada a eles. Da mesma forma, Sol continua a entender que será prontamente adotada e que, talvez, Marcos e Juliana ainda iniciariam esse processo. O vínculo terapêutico, apesar dos óculos continuarem entre nós, logo foi estabelecido. Sol nunca se atrasava, se demonstrava investida em relação à minha figura, escutava minhas intervenções e demonstrava afeto positivo em todas as sessões. Me agradecia, sorria constantemente e me abraçava ao final de cada atendimento. Me colocava em um local de apreço, à medida que diminuía a assistente social do abrigo. Porém, possuía uma grande tendência a não refletir acerca do que era trabalhado, dando pouco tempo para que pudesse encontrar sentido no seu narrar e em minhas intervenções. Passados
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