Retratos da pandemia: conexões - desconexões & reconexões

Do eclipse aos raios de sol: um relato de atendimento clínico interrompido pela Covid-19 141 em processo de adoção. Ainda, a assistente social sinaliza que Sol é bastante complacente no abrigo, se mostrando sempre contente e adaptada, dando “pouco trabalho” para elas. Traz que a menina não possui amigos e tem muita dificuldade em criar e manter vínculos. Em meu primeiro atendimento com Sol percebo, ao chamá-la na sala de espera, que a menina estava de óculos escuros enquanto me esperava. Ao convidá-la para entrar, a menina mantém os óculos, não permitindo nenhum contato visual entre nós. Essa barreira física e, em um primeiro momento, vincular entre nós permanece durante todos nossos encontros. A menina, em um primeiro momento, usa das sessões como um local de descarga, falando repetidamente de suas experiências, assim como me convocando pouquíssimo a participar do processo. Minhas intervenções eram ouvidas, mas não digeridas, sendo interrompidas pela fala da menina que buscava tirar de si aquela angústia. Sua fala contemplava, inicialmente, os padrinhos afetivos, Marcos e Juliana, os quais ela possuía grande apreço e desejo de maior aproximação. Porém, entre esses relatos, construía uma narrativa de uma madrinha extremamente desinteressada, que não a amava e, ainda, possuía ciúmes de seu relacionamento com Marcos. Quando perguntada sobre seu relacionamento comamãe, narrava uma infância na qual ela assumia um “papel de mãe” no cuidado das irmãs e avó enquanto a mãe trabalhava. Conseguia, em certos momentos, criticar algumas posturas da figura materna, mas sempre relatava o afeto positivo que sentia quando compartilhava momentos com ela. Não muito diferente eram suas falas sobre a adoção da irmã, que começou a ser concretizada. Sol trazia que estava muito feliz pela irmã, e que sabia que seu momento chegaria. Deixava claro, em relação a adoção, de que por mais que visse diversos problemas em Juliana, seu amor por Marcos era tão grande que poderia aceitar ser filha do casal. Essa fala era bastante repetida, na medida em que Sol discorria muito sobre o desejo de ser adotada por um casal heterossexual. Nesse sentido, relatava muito suas experiências com o casal padrinho, que não a buscavamais para seus passeios quinzenais, trazendo a dificuldade que sentia de se relacionar com Juliana, elaborando cada vez mais suas angústias sobre o não amor da madrinha, que a todo custo tentava privá-la de seu relacionamento de pai e filha, como Sol dizia, com Marcos.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz