Saúde e cuidado no serviço escola: adolescência presente!

68 Uma clínica grupal com adolescentes em padecimento Considerações finais Durante a trajetória da avaliação psicológica, percebemos em Marília uma ansiedade ao se deparar com atividades que poderia não saber dar a resposta certa, uma angústia frente ao não saber. Essa angústia é cultivada pela escola, que subjetiva desde cedo a rejeitar esse não saber. Porém, será que todos conseguimos aceitar tranquilamente as angústias ocasionadas por aprender algo novo? Essa primeira experiência com um processo de avalia- ção psicológica poderia ter sido extremamente angustiante caso estivéssemos sozinhas. O desamparo de se ver sozinho pode ser significativamente mais angustiante do que o não saber em si. Em grupo, nossa aprendizagem sobre o processo de avaliação foi definido por trocas. Além disso, as trocas não se limitaram ao grupo, pois ambos os lados – avalianda e o grupo de avaliadores – estavam em um pro- cesso de ensino-aprendizagem. As alunas responsáveis tanto pela entrevista inicial com a responsável quanto pelos atendimentos da Marília, foram apren- dendo durante o planejamento e desenvolvimento de cada ação e com cada um que compôs o grupo. Vimos que as atividades e conversas nos encontros serviram como possibilidade de Marília compreender que o não saber ou ter dificuldade não significa estar errado ou precisar receber algo que certifique/ ateste sua dificuldade. Ao fazermos tantos questionamentos sobre a maneira que somos estimulados a aprender, nos perguntamos: que aprendizagem vemos como possível? Kastrup (2001, p. 18-19) traz o conceito de aprendizagem inventiva através do exemplo de alguém que viaja para um país estrangeiro e se depara com situações habituais que se tornam diferentes, como tomar um café, ir para um destino desejado, etc. Isso diz sobre um estranhamento: [...] forçados a conviver com uma certa errância, a perder tempo, a explorar o meio com olhos atentos aos signos e a penetrar em semióticas novas. Somos forçados a pensar, a aprender e a construir um novo domínio cognitivo e uma outra maneira de realizar atividades que eram tão simples e corriqueiras que havíamos esquecido seu caráter inventado. A viagem surge, então, como ocasião de uma aprendizagem, pois o viajante não se dava conta de que as relações que tomava como óbvias e garantidas eram, a rigor, construídas e inventadas. Tal aprendizagem não se esgota na solução dos problemas imediatos, mas prolonga seu efeitos e sua potência de problematização. A experiência de recognição cede lugar à problematização. Os dados da sensibilidade não fazem síntese com os da memória, gerando reconhecimento. Memória e sensibilidade não convergem, mas divergem, gerando uma experiência de estranhamento potencializada pelo frescor da sensibilidade do viajante. [...] É que a aprendizagem começa quando não reconhecemos, mas, ao contrário, estranhamos, problematizamos.

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