Grupalidade em um serviço escola: multiplicidades de um fazer cotidiano

94 Discursos e Rupturas de Fronteiras na Clínica Comum em Saúde Os avanços biotecnológicos permitiram significar experiências de alegria, violência, tristeza, agitação, entre tantas outras, em atividades cerebrais que podem ser vistas em exames com tecnologias de ima- gem. A tendência é de “transformar qualquer correlato neural em causa ou natureza real de eventos subjetivos”, ou seja, produz-se a ideia de que a origem desses eventos está no funcionamento do cérebro, numa origem biológica molecular. (BEZERRA Jr., 2006). Isso aparece, por exemplo, no modo como a depressão passa a ser a designação comum que recobre dor, tristeza ou melancolia; ou no modo como o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) torna-se o plano comum que apaga qualificações como “rebelde travesso” ou “bagun- ceiro”; ou ainda no uso exclusivo do termo estresse em lugar de “mal- -estar”, “conflito” ou “desassossego”. As práticas dos profissionais de saúde têm se dado, em grande medida, nesse plano comum dos protocolos e das evidências científi- cas. Há um preço a pagar na clínica por esta redução às generalidades: a dificuldade em se lidar com a complexidade. Em consequência, cada área profissional tende a recortar a demanda e a realizar um procedi- mento técnico específico, encaminhando para outro profissional rea- lizar intervenções de seu núcleo de atuação. A comunicação entre os diferentes profissionais ocorre, mas em geral se restringe à troca de informações, tendendo a um trabalho em paralelo. Deste modo, há uma tendência a multiplicarem-se atendimentos que não conseguem responder à demanda de quem busca por atenção: há sempre um exa- me ou um procedimento que ainda deve ser feito, do qual se espera um efeito adicional. Por fim, ao não considerarem as condições de vida, a cultura, os valores, as dimensões subjetivas, as intervenções profissionais em saú- de tendem a ser prescritivas: o discurso competente do universitário diz o que deve ser feito pelo outro, cuja ignorância o teria levado a adoecer e a precisar de ajuda. A singularidade do encontro clínico Apesar da pretensão de ser científica no modelo biomédico, a clínica em saúde é um ato singular, não apenas porque o adoecimento é singular, mas porque a clínica é realizada no momento de encontro entre o profissional e quem demanda atenção e envolve diversas ou- tras dimensões: éticas, subjetivas, políticas. Encontro daqueles que se apresentam com as marcas do viver, com histórias de vida, desejos,

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