Grupalidade em um serviço escola: multiplicidades de um fazer cotidiano
Alexandre de Oliveira Henz, Sidnei José Casetto e Angela Aparecida Capozzolo 93 tância, uma vez que os exames laboratoriais e de imagem permitem diagnosticar uma doença mesmo antes dela se manifestar por meio de algum sinal ou sintoma. A participação de quem demanda por cuidado se vê reduzida aos momentos iniciais de aproximação, mas já quase sem significado propriamente anamnésico: se os recursos diagnósticos objetivadores da estrutura do corpo permitiam depurar os aconteci- mentos da vida social do doente para a produção de fatos patológicos, agora podem produzir diretamente esses dados sem o testemunho do doente. (SCHRAIBER, 1993, p. 205). Em contrapartida, para a tomada de decisões e indicação da terapêutica, a clínica contemporânea têm utilizado estudos de metaná- lises, ou seja, estudos que realizam uma revisão sistemática das produ- ções científicas para identificar “evidências” e diminuir as incertezas clínicas, o que tem sido denominado de práticas baseadas em evidências científicas. (RIBEIRO, 1995; PADILHA, 2013). Também ampliam-se a utilização de estudos populacionais (epidemiológicos) que identificam associações estatisticas de determinados fatores com riscos de adoeci- mento. Podemos situar esta clínica no movimento ocorrido, a partir da segunda metade do século XX, do lento apagamento do homem como indivíduo identitário. No lugar do indivíduo-corpo da clínica moderna, desenha-se uma “dividualização” e perda de vigência da lógica iden- titária em uma medicina que se constela “sem médico nem doente”. (DELEUZE, 1992, p. 225). Ela resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, que ainda não adoeceram, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, mas substitui o corpo individual pela cifra de uma matéria “dividual”. Sua linguagem é numérica, feita de cifras. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os indivídu- os tornam-se “dividuais”, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados. (DELEUZE, Idem, p. 222). A saúde não é mais “a vida no silêncio dos órgãos”, na con- cepção de René Leriche (CANGUILHEM, 1995, p. 67), mas um es- petáculo estridente – no jogo da reconfiguração da dicotomia público e privado – na superfície da imagem corporal. A patologia, que já foi compreendida e vivida como transgressão, ruptura, conflito, desafio, produção de normas, é experimentada como disfunção, déficit e des- vio; assim como a clínica, que já foi ars curandi , transforma-se, sob a égide de cientificidade, em técnica de modulação, conformidade e mo- delagem. (BEZERRA JR., 2002).
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