Grupalidade em um serviço escola: multiplicidades de um fazer cotidiano
92 Discursos e Rupturas de Fronteiras na Clínica Comum em Saúde correspondentes à realidade, neutros, verdades às quais eventual oposi- ção seria vista como ignorância ou anormalidade. No caso do trabalho em saúde, como opera o discurso da com- petência? Ali o incompetente seria não só o paciente, mas também cada um dos profissionais, em relação à especialidade dos outros. Neste campo – condição de sobrevivência – é preciso saber, saber mais que os demais e, mais importante, produzir discursos derivados de que os outros possam se apropriar; isto faria com que esse campo se tornasse um terreno favorável para a arrogância: prepotência decorrente de su- posta superioridade. (HOUAISS; VILLAR, 2001). Em consequência, a comunicação entre os sujeitos tende a se estabelecer por meio de polaridades: quem sabe, de um lado; quem recebe as orientações, de outro. É como se o profissional de saúde, situado no lugar de “suposto saber”, o ratificasse como o seu lugar natural, e não como aquele que deveria deslocar e desconstruir com seu trabalho. Em nossos dias o discurso profissional competente tem colo- nizado diversos aspectos rotineiros da vida com normalizações a res- peito da alimentação, da prática de exercícios, do cuidado do corpo, de como evitar riscos e manter a saúde, com demarcações acerca do que seria normal e do que seria patológico. Em consequência, a posição e a voz de quem demanda por cuidado perdem força e poder. Poderíamos então nos perguntar se esta condição poderia ser subvertida, se seria viável pensar uma relação de equilíbrio entre profissionais e com quem procura por ajuda. Poderia o médico ou outro profissional ouvir algo do paciente que não seja assimilável ao seu próprio discurso? Quais as chances de se introduzir uma dissonância nesta ordem? Clavreul (1983, p. 176) reconhece a possibilidade de um médico renunciar, por exem- plo, a medicalizar a demanda recebida, o que já seria uma audácia. E, principalmente, de que um médico possa abrir-se à escuta daquilo que desvia de seu discurso; mas, neste caso, “ele deixará de ser médico”. A clínica contemporânea e o lento apagamento do sujeito O intenso desenvolvimento científico e tecnológico atual tem ampliado as possibilidades de diagnósticos e intervenções quase sem a participação de quem demanda o cuidado. Schraiber (1993), ao analisar a medicina que denomina tecnológica, destaca seu progressivo distan- ciamento da história de vida, das emoções, dos sentimentos e das con- dições sociais do adoecimento. A conversa, a história do aparecimento dos sintomas, o exame do corpo do paciente, deixam de ter impor-
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