Grupalidade em um serviço escola: multiplicidades de um fazer cotidiano
Lígia Hecker Ferreira 19 a psicoterapia grupal tem peculiaridades em relação à psicoterapia indi- vidual clássica que marcam diferenças notáveis da teoria e da técnica. O paciente deitado no divã, ou sentado frente ao terapeuta se vê forçado a ‘olhar seu interior’, a relatar as vicissitudes de sua história pessoal, de sua fantasmática. O seu discurso se desenvolverá em uma sequência temporal, na qual a transferência investirá o analista de papéis sucessi- vos em que irão se encarnando os personagens do paciente. Entretanto o autor chama a atenção para o fato de que […] em um contexto analítico grupal […]. Todo o conteúdo da cena está abarcado pela geografia do enquadre grupal, sus- tentado pela presença concreta dos companheiros de grupo, em um ‘como se’ que, as vezes, m como destinatário final o terapeuta. (BERNARD, 1987, p.51). Os grupos nos permitem olhar e problematizar a complexidade produzida pelos encontros coletivos. Como afirma Fernandez (1999), o dispositivo grupal põe a funcionar jogos singulares de olhares que desencadeiem ressonâncias fantasmáticas, acionam processos identifi- catórios e transferenciais, afetando uns aos outros criando condições campos problemáticos fertéis em produções de sentido. Nesta linha, tomar os grupos como campos problemáticos (FERNANDEZ, 1999) constituídos por múltiplas inscrições dese- jantes, políticas, sociais, sexuais, econômicas, identificatórias, transfe- renciais, fantasmáticas, enfim como uma rede complexa de relações e experiências que precisam ser trabalhadas e que, muito mais do que nos remeter à superficialidade da intervenção, ou para uma fragilidade teorico-técnica, nos convoca a explorar seu potencial de complexidade e a possibilidade destes integrantes ensaiarem modos outros de viver sejam eles usuários ou estagiários-coordenadores. Pensar a grupalidade como um dispositivo de experimentação do comum tem sido um exercício de reconhecimento da capacidade dos grupos de fazer irromper, tensionar, deslocar aquilo que se en- contra bloqueado, cristalizado, sintomático. As vivências de grupos e grupalidade nos interessam por esse potencial ativo, que pode movi- mentar diferenças nas pessoas, em si próprios e nas instituições assim como, nos coordenadores e terapeutas. Não temos tido a preocupação de formar “coordenadores oráculos” que pretendam revelar sentidos, verdades, mas sim de ser capaz de produzir sentidos. Desta forma, pro- pomos uma relação de sujeito e objeto, da equipe e usuários que não pretenda diferenciar aqueles que sabem daqueles que apreendem, que
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