Os desafios da prática interdisciplinar em um serviço escola
26 Abracadabra... que apareçam as crianças: o relato da criação de novas formas de acolher do PAAS O sucesso dos encaminhamentos está atrelado diretamente à qualidade da escuta que se faz, o que significa colocar-se disponível para esta relação que se estabelece através da palavra ou até mesmo do silêncio. Nesse sentido, escutar significa prestar atenção para poder ouvir com atenção, tomando conhecimento do que está ouvindo e, por isso, quem acolhe precisa ser continente e, como dito anteriormente, capaz de identificar além daquilo que está sendo dito. Ou seja, como descrita por Matumoto et al. (2002, p. 5), a escuta deve “ultrapassar a captação de mensagens verbais, buscando o significado do falado, retendo os pontos mais importantes. (AULETE DIGITAL, 2014; MATUMOTO, 1998; MATUMOTO, 2003). O diálogo que se estabelece neste encontro não pressupõe uma relação de reciprocidade, mas sim de uma interatividade relacional, que deve compreender este momento como um lugar de escuta do sujeito, de respeito pelo seu sofrimento e história de vida. Esse momento acontece na concepção de uma parceria de trabalho, em que o trabalho de quem acolhe está na escuta e pontuação da fala do usuário, buscando investigar as entrelinhas de seu discurso, ouvindo outra coisa além do simples significado das palavras que são pronunciadas (PINHEIRO, 2009; LECLAIRE, 1977). Esta escuta, a que me refiro como diferenciada, remete-nos ao conceito de Freud sobre a atenção flutuante. Segundo ele, precisamos suspender nossa atenção e não nos determos em nenhum ponto específico do discurso do paciente para que possamos ficar atentos a tudo que é dito. Para sermos coerentes com este tipo de escuta, precisamos desprender-nos das influências conscientes e deixar a atençao uniformemente suspensa, sem se fixar a um ponto qualquer. Esclarece o psicanalista: “Ver-se-a que a regra de prestar igual reparo a tudo constitui a contrapartida necessaria da exigencia feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorra, sem critica ou seleço”. (FREUD, 1969, p. 150). Através da narrativa, o usuário pode repensar sua história, desconstruí- la e construí-la novamente, porque ao falar o sujeito comunica muito mais do que inicialmente se propôs e assim a palavra assume uma dimensão de comunicação do que está inconsciente. Nesse sentido, a partir da escuta dos pais que vinham pedir por seus filhos, fui tomada por um enorme estranhamento e inquietação, passando a ficar com isso muito incomodada. Por vezes, não conseguia sequer encontrar palavras para nomear meus sentimentos, pois elas não davam conta de expressar o que estava sentindo. Estes meus estranhamentos acabaram contagiando o grupo que também acolhe e começamos então a nos questionar sobre a dimensão de integralidade que deveria permear
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