Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

92 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 Santos reflete que a memória olha para o passado enquanto a nova consciência olha para o futuro. O espaço é um dado fundamental nesta descoberta. Ele é o teatro dessa novação por ser ao mesmo tempo, futuro imediato e passado imediato, um presente ao mesmo tempo concluído e inconcluso, num processo sempre renovado. Os seres que estão na borda (periferias das cidades ou mesmo no campo) dão um outro sentido ao lu- gar, com relações mais ricas, próximas, a comunicação e a interação com o meio são mais plenas e intensas construindo uma nova sociabilidade (San- tos, 1997). Complementando, Santos (1997, p. 258) pondera que: No lugar, nosso próximo, se superpõem dialeticamente, o eixo das su- cessões, que transmite os tempos externos das escalas superiores e o eixo dos tempos internos, que é o eixo das coexistências, onde tudo se funde, enlaçando definitivamente as noções e as realidades de espaço e de tempo. Nosso Kilombo é um lugar que se encontra na “borda”, exatamente em uma linha de fronteira entre dois municípios, Triunfo e Montenegro. Literalmente estamos na borda da BR 386, no Km 410. Mesmo assim nos- sa acessibilidade não é tranquila devido às condições dos caminhos e à falta de sinalização adequada. Em nosso lugar as relações são próximas, fortes e intensas. Todos se cumprimentam com o Namastê Odirê , se abraçam ao sair e ao chegar, ao iniciar um novo dia. Nos ipadês (círculos sagrados de diálogo) há o pedido de Ago Yê Mojubá (benção para ter a licença) para que a fala e a escuta sejam sagradas e há muitos momentos de partilha nas refeições e nos ritos. É muito interessante observar como os o-madês (crianças) se relacio- nam com esse lugar, pois para eles, esse foi o primeiro ambiente de mora- dia. Há aqueles mais destemidos, outros que são mais observadores, mas no geral todos têm um grande carinho e respeito por ele. Para os o-madês tudo é uma novidade no que se refere ao lugar: o contato com os animais, a textura das folhas das plantas, as poças da água depois das chuvas. Ex- perimentar todas as sensações que isso provoca é um aprendizado muito encantador para cada um! A CoMPaz já passou por muitas transformações desde a nossa che- gança e continua a se transformar, o que é sua característica reconhecida por todos(as), sejam mudanças nos ambientes construídos ou na paisagem. Isso é muito natural para os moradores, mas aqueles que a visitam não percebem todas essas transformações, pois elas conseguem perceber ape- nas fragmentos desse universo. Isso lhes causa muitas vezes surpresas. O

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