Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

90 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 O lugar é um elemento criador de consciência para o sujeito, que aos poucos vai fazendo novas descobertas e ressignificando a sua caminhada. Santos (1997, p. 264) a este respeito coloca que: Ao contrário do que deseja acreditar a teoria atualmente hegemônica, quanto menos inserido o indivíduo, mais facilmente o choque da novi- dade o atinge e a descoberta de um novo saber lhe é mais fácil. Ainda se referindo a lugar, Santos (1997, p. 322) considera que: No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em co- mum. Porque cada um exerce uma ação própria, a vida social se indivi- dualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é quadro de uma referência pragmática ao mundo, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, por meio da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneida- de e da criatividade. Nossa relação com o nosso novo lugar, a Morada, ao adentrarmos em 2002 foi de muitas surpresas e descobertas a todo o instante, pois vindos da cidade tudo era novidade: o desenvolvimento das plantas após semear- mos, os hábitos dos animais silvestres, as configurações celestes, o regime pluviométrico. Fomos aos poucos interagindo com esse lugar e nos apro- priando de suas características, reconhecendo suas singularidades, des- construindo conceitos sobre o viver rural e construindo saberes baseados no nosso próprio cotidiano. Esse processo não findou. Podemos dizer que ele é contínuo, pois estamos sempre refletindo sobre os movimentos que desencadeamos. Sobre esta temática, Santos (1997, p. 224) afirma que: O homem de fora é portador de uma memória, espécie de consciência congelada, provinda com ele de um outro lugar. O lugar novo o obriga a um novo aprendizado e a uma nova formulação. No novo lugar, Santos aponta que o ser precisa reaprender o que nun- ca lhe foi ensinado, para construir um conhecimento inicial, mesmo que seja fragmentado. Salienta que o meio ambiente age como um detonador deste processo. Constrói-se então uma territorialidade nova e uma cultura nova, gerando uma nova integração e entendimento e por fim a recupera- ção do ser.

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