Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
85 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA O cosmos, para a autora, surge como um “operador de igualdade”, quando entendemos operar como “criar uma inquietude das vozes políti- cas”, “uma sensação de que a arena política está povoada por sombras do que não tem, não pode ter ou não quer ter voz política” e que, portanto, não cumpriria nenhuma das exigências da política – expressar os objetivos ou as propostas para a construção de um mundo comum. Cosmopolítica, dessa forma, não tem a ver com um programa consolidado, mas com um “espanto”, que obriga à política o questionamento: afinal, “o que estamos fazendo?” Seria possível reduzir toda criatividade desenvolvida pela Mora- da à designação de sistema de gênero? Seria possível reduzir suas relações com o mundo de não-humanos à nossa perspectiva do que é ‘natureza’? Dar uma dimensão cosmopolítica aos problemas políticos não diz respeito às respostas que obteremos, mas as perguntas que são postas, onde o pensa- mento coletivo é construído ‘em presença’ daqueles que fazem existir sua insistência. O que a cura nos apresenta , através do qual a Morada da Paz trava uma guerra cósmica, é um modo criativo de resistência 21 que produz, e faz insistir, outras imagens do pensamento sobre o feminino, sobre a na- tureza e sobre suas relações. 21 Lorena Cabnal e de Bernarda López, indígenas maya-xinka e autoidentifica- das como feministas comunitárias, realizaram recentemente uma entrevista denominada “La sanación como camino cósmico-político”. Nessa entrevista, narram suas experiências com a Red de Sanadoras Ancestrales da Guatema- la, coletivo criado como um espaço de fortalecimento e cura entre mulheres indígenas, principalmente do meio rural, a partir de seus conhecimentos an- cestrais maya-xinka. Para elas, a resistência baseada na cura permite que um ritual de mulheres possa servir para curar a si, as feridas que atingem as mu- lheres ancestrais que as habitam e as mulheres que sofrem ao redor do mun- do. Diz Lorena Cabnal: “a cura como caminho cósmico-político nos convoca a sentir não apenas o corpo, como temos, de uma maneira consciente, uma memória corporal como as enfermidades, como também o que a psicologia ocidental coloca. Além de uma subjetividade há uma quantidade de memórias para curar e é justamente aí que as diferentes opressões se instalaram em nós. […] Para nós é importante fazer uma reconexão com a natureza. O sistema patriarcal nos mutilou praticamente os afetos e as formas de curar com a na- tureza. Se impõe um sistema capitalista, que mercantiliza a natureza […]. Então recuperar a sabedoria dos povos, das mulheres, das diferentes práticas ancestrais para a vida, creio que também é um ato político de resistência” (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TZlsGfoe328. Transcri- ção e tradução feitas por mim).
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