Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

82 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 Utilizam-se de uma troca de olhares, uma palavra, um sonho, um alimento, um acontecimento, uma doença. São muitas as formas de ata- ques que esses seres realizam. Se a Morada da Paz entende que toda pes- soa é um canal , entende, portanto, que é continuamente atravessada por forças de todos os lados . A série de ritos, de orientações de alimentação, de transmigração na fogueira, de limpezas, vigilância constante sobre seus próprios pensamentos e sentimentos orientados a todos da comuni- dade, por exemplo, servem para não permitir que estes seres se utilizem dos sujeitos e das situações para suas finalidades que, para a Morada, são sempre destrutivas. Estávamos nós em um rito fechado de preparação de objetos de po- der . Em um dado momento, em relação a esses objetos, El. nos diz que precisávamos tomar cuidado com as perguntas externas sobre esses mes- mos objetos, “ porque a curiosidade pode ser perigosa, pois não sabemos a intenção ”. Ela continuou. Muitas vezes, a pessoa que faz a pergunta não faz com nenhuma intenção de maldade, “ mas há seres que se aproveitam disso ” para seus objetivos. Ou seja, usam de situações, pessoas, palavras, para cumprirem seus objetivos que são, evidentemente, opostos aos da Mo- rada da Paz. Lidar com esses seres nos processos de transmigração é lutar contra as trevas, cujo objetivo é produzir no mundo, como me foi ensina- do, controle, devastação, ódio e dor. Nos trabalhos de transmigração , que ocorrem sempre com processos de incorporação , todo o movimento de busca desses seres tem uma finalidade de fazer com que saiam das trevas . Ys. sempre nos diz que se a unidade, e a disciplina necessária para cons- truí-la, é fundamental para os que servem a luz , é importante perceber que “ nas trevas também tem unidade ”. Suas manifestações são violentas, o ambiente fica pesado e lembro de sentir isso principalmente na densidade da respiração. Era sobre isso que El. se referiu quando comparou os trabalhos da Morada ao encontro da J., militante feminista, com a Política Militar em Brasília. Nem todo médium tem as condições necessárias de adentrar certos mundos para buscá-los, ou seja, condições de “ trabalhar na zona do agrião ”, como costumam dizer de forma jocosa na comunidade. Mas também nem sem- pre é claro quem tem essas capacidades e quem não tem. São procedi- mentos profundamente perigosos e densos. E um dos seus perigos é da pessoa não voltar inteira , como em algum momento comentou My. Ou seja, parte dela fica atrelada a essas energias densas , podendo levar a inúmeras consequências trágicas. Por isso os processos de limpeza, após os trabalhos de transmigração , são fundamentais. Ou seja, toda cura , que engendra processos pragmáticos de transmigração, configura uma guerra cósmica .

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