Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
80 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 é. O girassol que se planta na entrada do território chama abelha e, portanto, polinização que, por sua vez, afeta a plantação de milho que tem lá perto do açude. Essa visão compartimentada da agrofloresta, ele seguiu me explican- do, é dar razão a uma ideia que não percebe que tudo está em relação: “ qui- seram saber quantos hectares têm a Morada ”, disse rindo, “ mas a Morada é tudo! ”. É por conta dessa perspectiva que Bg. disse, durante um Plantio ComVida – uma atividade destinada às pessoas externas para um mutirão de plantio – “ quando a gente cuida da Morada a gente tá cuidando de toda a Terra, que é nossa Mãe, porque pode até ter uma cerca ali, mas está tudo em relação ”, “a gente cuida da terra e ela cuida da gente ”. O que fica evidente é que os processos de cura e cuidado perpassam os mais diversos sujeitos, os humanos, a fauna, a flora, e também os eguns , os espíritos dos mortos. Os eguns são aqueles que vagueiam, perdidos, no mundo, pois “ ainda não encontraram o caminho ”. Alguns, inclusive, nem sabem que morreram. Estes são cuidados e encaminhados principalmen- te nos Muzunguês e nas Quintas do Axé – espaços dedicados aos atendi- mentos espirituais de pessoas externas que vão até a Morada para receber um axé . Como costumam dizer ao fim de cada Muzunguê , “ cada pessoa que chega até a Morada traz consigo um mundo ” composta por entidades , forças de luz , por seres e energias densas , por eguns que vagueiam e se aproximam dos humanos como forma de ter acesso ao mundo terreno e que servem a todos os lados . Além de englobar uma multiplicidade de seres em relação, é notável que a cura e o cuidado operam nas mais variadas situações. Quando pes- soas dirigem-se ao território para uma vivência no kilombo – como muitos integrantes dos movimentos negros –; ou quando grupos escolares diri- gem-se à comunidade, que desenvolve ações de educação ambiental e afro- -brasileira – principalmente escolas da rede pública de ensino; ou quando se deslocam para ações em escolas, comunidades, universidades, as pes- soas da comunidade dizem estar a serviço da espiritualidade , portanto, dos processos de cura em relação às “ dores do mundo ”, onde o machismo, o racismo, agressões ao meio ambiente fazem parte. Por conta disso que cada deslocamento realizado ou cada visita feita ao território são precedidas de rituais de transmigração . Ocorre também por orientação das entidades . Como no caso aqui narrado sobre a solidão das mulheres, há orientações das entidades que alertam para os variados ataques que tem acontecido no mundo. Um deles, trazido por Laska, foi sobre as forças que querem se adonar e destruir os recursos naturais existentes da Amazônia Azul. Pediu, então, para que cui- dássemos das fontes de água existentes no território da comunidade e irra- diássemos para os povos que são diretamente impactados naquela região.
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