Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

69 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA meses e horas – é regida pelos Orixás. Dizer que Exu passa para Xangô , implica em atentarmos para tudo que possa acontecer naquele mês a partir do que Xangô, senhor da verdade e da justiça, manifesta. Quando eu parti- cipei pela primeira vez do Terreiro de Chão Batido , fui ensinada por El. e Ym. de que esse rito tem por finalidade a celebração dos povos da terra . A celebração, portanto, das sabedorias e resistências dos povos negros e dos povos indígenas. Cada Terreiro possui um tema e, no ano de 2016, o tema foi O forta- lecimento do Akaã , conceito senegalês que significa poder da resiliência e da regeneração , conforme nos disse Ys. Tendo isso em vista, foram or- ganizados ipadês , como são chamadas as rodas de conversa, mobilizados por diferentes assuntos. Dentre eles, havia um chamado Rota das pombas- -giras onde aconteceram importantes reflexões. Esse ipadê contou com a participação especial de J., uma amiga da comunidade, militante feminista de um partido político, moradora da cidade de Alvorada – localizada na re- gião metropolitana de Porto Alegre. Ela esteve presente nas manifestações ocorridas em Brasília contra o golpe parlamentar, que consistiu na saída da presidenta Dilma Rousseff, do PT, de seu cargo e a tomada do cargo pelo seu vice-presidente, Michel Temer, do PMDB. Após o término da atividade, as mais velhas que participaram deste ipadê estavam bastante pensativas e comentaram conosco algumas de suas reflexões a partir dos relatos de J. Ym. nos disse que sentia que Xangô, a força da justiça, era uma energia vinculada às mulheres. A partir da sua experiência de vida e sua trajetória, havia visto só mulheres, pelo menos a maior parte, incorporarem essa entidade e disse: “ Parece que esta força está nas mulheres, é força feminina ”. Engajada em um mesmo processo reflexivo, El. retomou a narrativa de J. num comparativo com as práticas desenvolvidas pela Morada da Paz. Segundo J., houve um momento em que estava em cima do carro de som puxando a mobilização. Quando a po- lícia veio para atacar, todos os homens brancos presentes fugiram e deixa- ram as mulheres, os indígenas e os quilombolas na linha de frente. El. olha para a comunidade e nota que são exatamente essas forças que estão sendo mobilizadas ali. A maioria mulher, grande parte negra, em um território kilombola e com muita participação das entidades indígenas, dos caboclos que ali se manifestam. J. participou da tentativa de ocupação do gabinete da presidência du- rante a manifestação, e narrou seu sentimento de solidão quando os po- liciais adentraram, agredindo-a com chutes, spray de pimenta e outros aparatos repressivos. El., ao narrar esses fatos, comentou: “ que bom que podemos ser um portal de acolhimento para esses militantes que fazem a frente dos movimentos ”. Assim, a Morada exerce o papel de um “ espaço

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