Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
67 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA Participei, portanto dos trabalhos das mulheres . Estes são conduzi- dos pelas pombas-giras alinhadas , ou seja, que trabalham junto, com a pomba-gira Elo, uma das entidades que se manifesta em Ys.. Para este ritual, o uso da saia é um dos elementos centrais, pois, dizem, direciona a conexão do chakra básico com a Terra. Segundo El., em um desses traba- lhos, trata-se de um espaço de fortalecimento e cuidado entre mulheres. E, principalmente, é um espaço de resistência. Uma “ resistência ”, disse, “ que não é para agredir o outro, mas para afirmar quem somos ”. Parte essencial desse processo é a reverência feita à ancestralidade e a atenção aos seus efeitos : “ Somos todas sementes, sementes que foram lançadas à terra por essas mulheres ”, referindo-se às mães, avós, bisavós, “ somos árvores ”. Em um destes momentos, de olhos cerrados e concentradas, começa- mos a respirar longa e lentamente sob os comandos de Ys.. Eis que começa a falar de modo bastante incisivo: “ acessem a bruxa que há em vocês! Sintam! Isso não é de vocês! Permitam que essas sensações tomem conta do seu corpo! Vocês são bruxas! Filhas, netas de bruxas! Então sejam! ”. Nesse momento, as incorporações , como são chamadas as manifestações das entidades , começaram a ocorrer. Foi a primeira vez que ouvi o termo bruxa na comunidade Morada da Paz. Em outro momento ritual, durante um dos trabalhos da Gira de Amo- tara 10 , uma fala semelhante foi produzida. Uma fala com o intuito de pro- vocar algo, provocar o surgimento, o acesso à bruxa que existe em cada uma das mulheres que ali estavam. “ Todas nós somos bruxas, aprendemos com nossas ancestrais a sermos bruxas ”, disse Ys.. Instigando-nos, com intensidade, solta uma profunda e alta gargalhada. Já não era mais Ys., era a Pomba-gira Elo. Com ela, veio também a Pomba-gira Rainha, manifes- tada em Ym., e a Pomba-gira Cigana, manifestada em Ak.. Elo, Rainha, Dama da Noite, Mulambo, Cigana e Padilha – entidades que se manifes- tam nas Yas e egbomis – trabalham conosco durante o trabalho das mulhe- res . Elas ensinam, nas mais diversas situações, a importância do amor-pró- prio, do empoderamento e autonomia sobre seus corpos, ensinam sobre os cuidados necessários referentes à sexualidade e atuam, muitas vezes, como conselheiras para as relações conjugais. Sempre que estão presentes, ensi- nam às mulheres o poder de se usar um rubro , um batom vermelho, e se perfumar. Perfume e batom tornam-se não apenas elementos cosméticos, 10 A Gira de Amotara foi um trabalho direcionado para mulheres que acontecia em um local na cidade de Porto Alegre. O nome foi assim designado porque a orientação dada por Mãe Preta foi de que as mulheres “precisavam se encontrar e girar”, sem maiores orientações. O nome Amotara foi cunhado em homenagem aos povos indígenas e signi- fica amor a todos.
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