Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

45 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA de Porto Alegre para a área rural do Distrito de Vendinha, no município de Triunfo, no Rio Grande do Sul, com o intuito de viver de um modo sustentável e solidário, em harmonia com o ambiente e com suas tradições ancestrais como caminho para uma melhor qualidade de vida. Para chegar ao Território, contam que foram orientados por Mãe Preta que disse que encontrariam “duas velhas centenárias” que lhes mostrariam o caminho. Eles levaram algum tempo para perceber que ela se referia a duas poderosas velhas figueiras e não a duas senhoras idosas como ima- ginaram inicialmente. Quando viram as árvores no Território enfim com- preenderam que ali seria sua Morada. Mãe Preta é uma preta velha que acompanha há mais de vinte anos Yashodhan, a Sangoma 3 , guia espiritual e guardia da cosmovisao da Naço Muzungue 4 , a Yá que guarda e comanda os ritos no terreiro. Como aquela que guarda o poder da unidade, Yá é mãe de outros tan- tos, não apenas daquelas que compartilham consigo o sangue, mas de outras e outros filhas e filhos espirituais. Cada vez mais entregue à vida espiritual, busca fortalecer, com seus companheiros de vida e com as entidades que a guiam em busca de um mundo mais digno, a existência da Comunidade Morada da Paz: lugar de acolhimento, de cuidado, de cura, de vivencias de saberes e de fortalecimento da vida. Aos seus fi- lhos e filhas, ensina muito. Dentre tanto, o poder que cada um carrega de ser a transformação que queremos ver no mundo (MORADA DA PAZ, 2018). Mãe Preta é reconhecida como a Yabá 5 ancestral e mãe da comuni- dade. Seu Sete, um Exu-Rei é o pai da comunidade. Conta Flores, em sua 3 Sangoma, na tradição africana, é a pessoa que é chamada para curar e através dela os ancestrais do mundo espiritual podem se manifestar, dar conselhos para curar doenças e desarmonias. 4 O Muzunguê é oriundo do kikongo, cujo significado se aproxima da ideia de acolhimen- to. É um terreiro de chão batido onde se faz atendimentos espirituais, "assemelham-se às casas de Umbanda, ainda que também não sejam exatamente isso – pois em um mesmo espaco-tempo ritual manifestam-se as entidades do Batuque, do Candomblé e da Um- banda" (FLORES, 2018, p. 108), e tem as "preces práticas e a noção de meditação ativa (...), o não consumo de carne e de álcool, a compreensão de que o corpo é formado por pontos energéticos, os chakras que são atribuídas ao Budismo"(FLORES, 2018, p. 115). No Muzunguê há um trabalho de recuperação dos ritos ancestrais, como, por exemplo, a introdução dos tambores nos rezos ou orins, como chamam os pontos cantados em louvação aos orixás. 5 Yabá é o termo usado no candomblé para as Orixás femininas.

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