Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

43 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA narrativas criam uma ponte entre mundos – o mundo da experiência e o mundo do refletir sobre a experiência. Este lema, nada sobre nós sem nós, emprestado da luta das pessoas com deficiências, alerta para uma prática comum tanto na elaboração das políticas públicas quanto na produção de conhecimento: a ausência ou ir- relevância dos sujeitos, vistos como um outro que nada tem a dizer sobre a produção das condições de existência de sua própria vida. Essa é uma forma recorrente de violência simbólica e cognitiva, comum aos negros e negras no Brasil. Nosso ethos recusa essa visão apequenada e preconcei- tuosa. Com isso declaramos que todo o conhecimento produzido sobre o kilombo seria produzido coletivamente pelos kilombolas e deste lugar de fala – da perspectiva das mulheres negras que conduzem as ações da comu- nidade – olharíamos para o conjunto de atividades que a Morada realiza, desde sua rotina – que mostram uma forma de viver e ser que se diferencia em muito tanto de outros kilombos quanto do modo capitalista típico que vivemos na cidade – quanto aquilo que chamamos de conhecimentos con- textuais – ou seja, construídos a partir de uma experiência social particular ou tecnologias sociais – modos de fazer de certa forma originais que visam a sustentabilidade do território. A presença do OKARAN na universidade atesta que as linhas divisó- rias entre nós e eles, linhas imaginárias que muitas vezes negam o direito à alteridade e à diferença e se recusam a responder ao outro não são natu- rais, mas uma construção artificial e perversa da nossa sociedade racista, sexista e homofóbica que tenta limitar a presença de vários grupos sociais, silenciando-os. Ao contrário, a mera presença desses negros e negras – que carregam no corpo as marcas das suas crenças e de sua cosmovisão –, de- nunciam a arbitrariedade e fragilidade de uma academia que muitas vezes sequer consegue acessá-los, que dirá entendê-los. Na perspectiva adotada, as memórias, os saberes tradicionais, as tec- nologias e experiências sociais, retratadas a partir de vivências e narrativas são territórios de pesquisa, campos empíricos férteis para uma cartografia subjetiva que busca relacionar os conhecimentos do passado ao presente e ao futuro, caracterizada por uma narrativa afirmativa que mostra o que a comunidade kilombola possui e sua potência latente.

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