Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
42 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 atuais e futuras da comunidade e de outros pesquisadores interessados nessa temática. No OKARAN ficou claro, desde o início, que alguns dos aspectos fundamentais do kilombo eram as narrativas e as vivências – entendidas como experiências coletivas que atestam o estar no mundo e a forma como se educam e educam as crianças e jovens na CoMPaz. As vivências são momentos em que nos possibilitamos experenciar, sentir, perceber, transcendendo padrões lógicos e racionais de pensa- mento. Podemos então “viver” na mais pura acepção da palavra, sem nos preocupar com conceitos, pré-conceitos ou juízos de valor, sentin- do-nos plenos e conectados ao nosso real ser e ao cosmos. As vivências em nosso kilombo caracterizam-se além da subjetividade de percepções que provocam em cada um dos irmãos/irmãs, por terem um forte en- volvimento coletivo/comunitário e um componente espiritual predomi- nante. O lugar é a base para as nossas vivências e o conjunto de nossas vivências constitui a nossa história e sustentam a nossa territorialidade (BAOGAN, 2017, p. 9-10). Podemos então perceber que as vivências na perspectiva da CoMPaz são experiências coletivas que transcendem a realidade exclusivamente material, pois há um componente espiritual que permeia tudo o que acon- tece (rituais, oficinas, alimentação coletiva, preces práticas). São experiên- cias sociais do cotidiano, pois as vivências estão imbricadas diretamente dentro dele (BAOGAN, 2017, p. 13). Desse modo, foi dentro do kilombo que decidimos o que iríamos pesquisar. Fizemos uma vivência onde participaram desde os mais novos aos mais velhos e todos revelaram aspectos da ekonomia e da pedagogia que eram importantes incluir na pesquisa, também nessa vivência esco- lhemos as ideias-força que iriam orientar nosso estudo. Essa atividade foi gravada e é a referência a qual retornamos quando queremos retomar os combinados. Essa pesquisa está sendo construída pela própria comunidade: nada sobre nós sem nós é um ethos que direciona a pesquisa e traduz um esforço de construir e difundir um saber kilombola singular, com categorias, meto- dologias, dinâmicas e expressões próprias. No caso do kilombo, utilizamos o nada sobre nós sem nós para marcar um território enunciativo no qual o lugar de fala sobre nossa pesquisa sobre e com o kilombo pertence a um kilombola ou a um pesquisador que o kilombo autorizou a falar ou escrever sobre ele. Neste processo interessa particularmente reconhecer que essas
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