Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

40 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 temas abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica (SANTOS, 2005a, p. 43). As narrativas produzidas na comunidade permitem que a voz da sa- bedoria popular se manifeste e os sujeitos problematizem rotinas e rituais, desvelando o cotidiano e impregnando de sentido práticas até então não refletidas. E as narrativas construídas na universidade pelos educandos vi- sam articular a subjetividade social e um conhecimento enraizado – e por isso criador – à reflexão teórica e conceitual fomentada dentro da univer- sidade. Entendemos que esse diálogo produza novos conhecimentos ainda não descritos pela academia, pois são articulados a partir de uma experiên- cia vivida singular e constituem a ecologia dos saberes. Neste projeto interessa particularmente reconhecer que essas narrati- vas criam uma ponte entre mundos – o mundo da experiência e o mundo do refletir sobre a experiência. Nossa pesquisa se insere no que Santos (2007) denomina como epistemologia do Sul. A epistemologia do Sul fala da construção do multiculturalismo emancipatório, ou seja, na construção democrática das regras de reconhecimento recíproco , entre identidades e entre culturas distintas. Este reconhecimento pode resultar em múltiplas formas de partilha – tais como, identidades duais, identidades híbridas, interidentidade e transidentidade – mas todas elas devem orientar-se pela seguinte pauta transidentitária e transcultural: temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza (SANTOS, 2005b, p. 75; 2006a, p. 313, grifo meu). Santos (2007, p. 55) diz que é cada vez mais necessária uma utopia crítica, que reinvente as possibilidades emancipatórias e avance entre o silêncio e a diferença . Superar o contato colonizador, reaprender a dizer, fazer o silêncio falar para produzir autonomia e não a reprodução do silen- ciamento, só é possível por meio da democratização de todos os espaços, ao substituir relações de poder por relações de autoridade compartilhada e da relação entre o respeito da igualdade e o principio do reconhecimento da diferença (SANTOS, 2007, p. 62). O lado político dessa utopia é a incompletude de propostas políticas e a necessidade de uni-las sem uma teoria geral, a partir do procedimen- to de uma tradução para criar inteligibilidade a partir da argumentação (SANTOS, 2007, p. 99-100). Tais iniciativas estão enraizadas no espírito do lugar, na especificidade dos contextos, dos atores e dos horizontes de vida localmente constituídos. Não falam a linguagem da globalização e nem sequer linguagens globalmente inteligíveis. O que faz delas globa-

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