Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
39 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA das nos rituais do território, suas estratégias de sustentabilidade e o modo como se educam e educam os jovens e crianças. Por isso dialogaremos com as narrativas já produzidas pelos pesquisadores e pesquisadoras do OKA- RAN sobre a CoMPaz, principalmente BaOgan (2017), Yashodhan e Kie- kow (2017), Yabacê e Yashodhan (2017), Yamorô e Opá Tenonde (2018), Folaiyan (FLORES, 2018), Labrea (2016). A cartografia (DELEUZE; GUATARI, 1995) é uma pesquisa-inter- venção (KASTRUP; PASSOS; ESCOSSIA, 2015; 2016) que nos permitiu entender os textos e as falas resultantes das vivências na CoMPaz como narrativas . A narrativa tradicionalmente é atribuída a uma obra literária e suas características são descritas por Todorov (2006, p. 211): ela é si- multaneamente história e discurso. A história evoca uma certa realidade, acontecimentos e personagens. E discurso porque existe um narrador que relata essa história. Na nossa perspectiva, tomamos a narrativa como uma história e um discurso 2 (PÊCHEUX, 1997) sobre acontecimentos reais, vividos nos co- tidianos dos sujeitos da pesquisa. Todorov, na mesma obra, vai falar que a narrativa literária parte de uma visão ou ponto de vista. Na narrativa kilom- bola nos identificamos com o lugar de fala (RIBEIRO, 2017) que é falar a partir da perspectiva de mulheres negras e de suas condições de produção, ou seja, suas condições materiais, sociais, culturais, simbólicas, políticas de existência. As narrativas são entendidas como a materialidade discursiva que re- flete uma experiência vivida e a elaboração dessa experiência por meio da palavra escrita. Essa escrita rompe deliberadamente com a tradição acadêmi- ca que vê na impessoalidade e na generalização a marca do saber científico. As narrativas apontam uma outra direção: é um conhecimento con- textual na medida em que o princípio organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada (SANTOS, 2005a, p. 41). É um conheci- mento transdisciplinar que, pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimentos, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sis- 2 Pêcheux estabelece que o discurso é “efeito de sentidos entre interlocutores que enviam para lugares determinados na estrutura de uma formação social” (PÊCHEUX, 1997, p. 82). Por efeito de sentido entende-se que o sentido sempre pode ser outro, dependendo do lugar social em que os interlocutores se inscrevem. As condições de produção mostram a conjuntura em que um discurso é produzido, bem como suas contradições. As CP remetem a lugares determinados na estrutura de uma formação social. As relações de força entre esses lugares sociais encontram-se representadas no discurso por uma série de “formações imaginárias que designam o lugar que o destinador e o destinatário atribuem a si e ao ou- tro”, construindo desse modo o imaginário social (PÊCHEUX, 1997, p. 82).
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