Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
37 UM JEITO DE SER E VIVER NO KILOMBO DE MÃE PRETA zador e se abrir para a polissemia. Em áreas bantas na África, nos contam as Yás, kilombo significava sociedades de homens guerreiros. No Brasil colonial, a denominação quilombo passou a designar o local para o qual homens e mulheres, africanos e afrodescendentes, que se rebelaram ante a sua situação de escravizados e fugiram das fazendas, se refugiaram em florestas e regiões de difícil acesso, onde reconstituíam seu modo de viver em liberdade. Entendemos que kilombo, grafado com q é uma adaptação do colonizador ao termo africano e a usaremos sempre que citarmos textos de outros autores que foram grafados desse modo. Mas para designar o Território de Mãe Preta, suas práticas e processos educativos e de susten- tabilidade, iremos grafar kilombo com k a fim de afirmar que estamos em uma disputa que é política e linguística. Da mesma forma, grafamos ekonomia com k para aludir a oikos que significa casa no grego. Ekonomia é uma grafia que para os kilombolas da CoMPaz tem o sentido de buscar essência da oikonomia grega, que visava o cuidado da casa. Esta cosmovisão, coerente com os valores e a ética ki- lombola, se opõe à economia ortodoxa condicionada ao pensamento capi- talista, racional, lógico e utilitarista que não incorpora em seus modelos a subjetividade e o bem comum. Este artigo 1 , ampliado e atualizado, traz resultados iniciais do projeto de pesquisa e extensão universitária Pedagogia do Encantamento e Eko- nomia do Afeto: Cartografia Subjetiva em Território Feminino Kilombola. Apresentaremos especificamente um primeiro nível deste mapa, a metodo- logia – a cartografia subjetiva –, e uma parte da história da Comunidade e de seus moradores, organizada a partir das narrativas dos pesquisadores e pesquisadoras e dos outros moradores do kilombo. A CARTOGRAFIA SUBJETIVA Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – uma perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às lin- 1 Uma versão resumida deste artigo foi originariamente publicada em 2019. Referência: LABREA, Valeria Viana; KIEKOW, Pedro Eduardo; DORNELLES, Denise Freitas. Cartografia subjetiva em territorio feminino kilombola: em busca da utopia do bem vi- ver. Cadernos do Lepaarq , v. 15, n. 31, p. 107-120, jan./jun. 2019.
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