Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta
24 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 era a nota perfeita para o início da construção de um novo sistema, onde a vida comunitária, o exercício do voluntariado e a partilha sem fronteiras compunham os acordes harmônicos para uma nova era. A chegada de um novo século despertava nas pessoas o desejo da mudança, da solidariedade perdida, do ato da fraternidade. Os primeiros anos do Kilombo CoMPaz, onde mulheres e homens se uniram em busca de uma nova forma de viver, foram dedicados ao au- torreconhecimento, numa tentativa profunda de se compreender a jornada pessoal como pessoas, negras, quilombolas. Nesse período conhecemos também a realidade do entorno, os animais da região, os rios, as fontes e os mitos que vivificavam o local. Após esse mergulho interior, o povo da Morada, como somos mais conhecidos, dedicou-se a um movimento mais amplo: a abertura dos por- tões da instituição e da comunidade e consequente inclusão, em nosso coti- diano, das pessoas que viviam nos povoados do entorno. Nosso olhar podia ver com clareza as pessoas que viviam em situações extremas, exercitando jogos tiranos de ganhos e perdas. A aproximação foi se dando cuidadosamente através de diferentes atividades e espaço de inserção na cultura e no imaginário das pessoas da região. Para as várias estratégias de aproximação utilizadas nos orientamos nos princípios trazidos por canalização de nossa Yabá ancestral Mãe Pre- ta; inspiração de nossa Yialaşé Yashodhan, na espiritualidade presente na Nação Muzunguê, na Carta da Terra e em nossos ancestrais quilombolas, e buscamos: • aprofundar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e uma ampla aplicação dos conhecimentos adquiri- dos. Foi o momento em que aplicamos o projeto de Percepção Ambiental convidando as escolas da região para visitar o espaço Kilombo-CoMPaz e ludicamente observar e compreender como se dava a visão sobre o mundo ambiental (fauna, flora) e as rela- ções socioecológicas com/no contexto. • adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam a capacidade regenerativa da Terra, os direitos humanos e o bem viver comunitário. Buscou-se aprofundar o conhecimento sobre agricultura orgânica e biodinâmica, pelas fases da lua, Kilombola, indígena. Efetivamos convênios com escolas técnicas, por alguns períodos fomos campo de observação e práticas de permacultura, manejamos com a flora nativa. Contatamos e visitamos espaços de produção e manejo não só da região, pessoas, sabedores e fa- zedores, falamos-escutamos muito e, depois de tantas urdiduras, tecemos o nosso jeito.
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