Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

126 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 Os elementos alquimicamente transformados beneficiam todos os moradores e moradoras da Comunidade Kilombola Morada da Paz, Ter- ritório de Mãe Preta – CoMPaz, da Nação Muzunguê. Alguns destes ele- mentos compõem os ritos diários dos moradores. Cada Yaô, Ogan (homens guardiães do Território), O-madê (crianças), Odomode (jovens), Yas e Baba, recebem seus fluídos em ritual de entrega com a participação dos O-madê, na partilha de saberes e fazeres ancestrais. Estes benefícios também são ofertados a outras pessoas em eventos, vivências e ritos realizados ao longo do ano. A experiência do Oşùpá Clã da Lua Nova vem demonstrando que to - dos devem compartilhar os saberes e fazeres ancestrais, guardados na me- mória dos povos que constituem nossas matrizes e na memória das plantas sagradas que habitam o nosso Território. “Plante, cuide, regue, colha, distribua e aprenda a ofertar amor” nos ensina nossa Yabá Ancestral, Mestra Espiritual do Território, Mãe Pre- ta. O ensinamento ofertado por nossa Yabá reverbera em nossas preces práticas e nutre o propósito de salvaguarda do patrimônio imaterial ma- nifestado no jeito de ser e viver CoMPaz. Um exemplo disto é quando os O-madê, em suas andanças pelo Território reconhecem as ervas me- dicinais e brincam de preparar banhos e fluídos para os moradores. A partir disso é que o rito é realizado como prática pedagógica e ancestral na Escola Comkola Kilombola Epè Layiè, espaço educativo não formal, situado dentro da Comunidade Kilombola Morada da Paz, destinado ao ensino dos O-madê e demais integrantes do Kilombo. Outro resultado que demonstra a importância do rito protagonizado por estas mulheres é a condição de vitalidade dos moradores sem a dependência de medica- mentos alopáticos. Outro resultado que se destaca é a preservação de espécies nativas e medicinais raras, fato que deu origem, em 2016, a um Calendário de árvo- res e espécies nativas raras, presentes em nosso território. A elaboração do calendário partiu do curso de biologia da UFRGS. As mulheres construí- ram uma cartilha das ervas medicinais cultivadas dentro do Território e que já está indo para a segunda edição. Quem tem como práticas ancestrais o cultivo e o manejo das ervas medicinais, descobre a ciência que o Kilombo de Mãe Preta revela através da força feminina que acompanha as fases da lua no céu de seu próprio território. Vendo neste processo inúmeras possibilidades de compartilha- mento, cuidado, acolhimento para todos os seres. O encantamento e força do rito protagonizado por estas mulheres salvaguarda a vida e os saberes para as próximas gerações.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz