Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta

124 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 3 tas, a terra e a água. Os encontros iniciam-se no turno da manhã e seguem no turno da tarde. O Clã inicia seu preparo no despertar: no primeiro é feito o caminho de oração até a ciranda da fogueira. No segundo momento são realizados os banhos de ervas – para limpeza e harmonização dos corpos físicos, emocionais e espirituais – e depois as mulheres vestem seus Axós e reúnem-se para ir ao templo da Nação Muzunguê onde o rito é realizado. O Oşùpá Clã do Rito da Lua Nova inicia seus ritos pedindo licença para as entidades das matas Ossae, Ewá e Iroko invocando a força ancestral através dos Orins (rezos sagrados dos Orishás). Logo após a abertura do rito as Yaôs e Yalossae vão em direção à Sala da Terapia, também conhe- cida como Sala Azul, que fica dentro do Templo da Nação Muzunguê. A Sala da Terapia é um espaço de refazimento dos corpos físico, emocional e espiritual; da cura que vem do cosmos interior de cada ser na sua indi- vidualidade. Neste espaço são guardados os fitoterápicos preparados pelo Clã, e é, principalmente, um lugar de estudo e diálogo com as entidades espirituais que muito nos ensinam sobre o cuidado e compreensão destes corpos. Estas entidades espirituais são por nós conhecidas como médicos do astral superior. Com frequência reafirmam que este rito só é possível porque: “homens e anjos caminham juntos”, ou melhor, mulheres cami- nhando juntas. Existe uma particularidade quando citamos mulheres, pois somos a maioria na Comunidade e somos, muitas vezes canais de manifes- tação destas entidades. As Yaôs preparam a mesa do Clã com todos os elementos que a com- põem: o ojá (toalha sagrada), o incenso, as xícaras, o bule, as bacias, a água, as ervas medicinais e outros elementos necessários no decorrer do preparo. Após a mesa posta as Yaôs e Yalossae apanham suas cestas de colheita e vão em direção ao espaço Arakitembo Ti Ossae (espaço de sal- vaguarda, plantio e colheita, cuidado e zelo com as ervas medicinais; e o respeito com o tempo do corpo com as bênçãos de Ossae). A fase de colheita é sempre iniciada com o Orin Kosi ewe, kosi Orishá (Sem folha não tem Orishá). Este Orin é um rezo sagrado para o Orishá guardião das folhas. A escolha das ervas se dá após diálogo das Yaôs e Yalossae e, princi- palmente, no processo intuitivo de cada uma das mulheres, através do qual percebem o chamado das ervas que estão prontas e desejam ser colhidas. A propriedade medicinal da planta é um elemento muito importante, mas é quando a maceração da erva inicia que se dá a manifestação mais potente deste movimento: a conexão das mãos das mulheres com o espírito das ervas. Nesta alquimia vão surgindo os elementos fitoterápicos: os banhos, os fluídos, as tinturas, as pomadas, os sabonetes, entre outros.

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