O lugar do saber - Márcia Wayna Kambeba

52 SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 1 NO PENSAR DE WAIMÍ Cresci cabeça-chata, Nas entranhas da mata me criei, Aprendi a correr entre troncos, E como peixe eu também mergulhei. Convivi com encantados, Conversei com yawaraté um bocado, Cantei com Yara mãe d’água, Com boto rosa, até fomos namorados. Minha flecha e meu arco ganhei, Presentes do grande pajé, De sangue a flecha sujei, Para viver e manter-me de pé. Esse tempo ainda era de paz, Mesmo tendo que me defender. Agora já não sei o que fazer, AtéYara cantar já não quer mais. Curupira não saiu da floresta, De tristeza a aldeia não visitou, A zana ficou sem informação, E não sabe se vai chover na plantação. Que desilusão! Ver que tudo está cada dia pior, Antes o povo mudava de lugar, Para deixar a natureza se renovar, E o caminho da aldeia retomar. Na volta o solo tinha descansado, A plantação ia crescer Sem precisar adubar. A água estava fresca e purinha, Até os peixes vinham recepcionar. Era assim que os povos faziam, Em uma relação de bem-estar. Mas agora veio um tal desequilíbrio, Peixe, água, terra, mata é ouro E para ter precisa comprar. No meu tempo era só ir ali e pescar, Quem não tinha nada, Fome também não passava. A caça era dividida com todos, Porque na cultura indígena É preciso saber partilhar. Era assim na aldeia que eu tinha. É assim na aldeia que eu fui visitar, União é partilha todo dia, Como velha eu só posso aconselhar. Veja como os povos vivem. Desrespeitando a natureza, O desequilíbrio só tende a piorar. Olha a chuva! Já não quer mais molhar. O jeito é fumar rapé e a saysara espantar.

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