Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Anna Maria Cárcamo 86 natureza, entendendo sua importância para a vida de presentes e futuras gerações, inclusive sendo considerado um direito humano (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017). No entanto, ainda não abarca explicitamente os direitos dos animais e da natureza por si, e sim os benefícios que oferecem aos humanos. Entretanto, em seus parágrafos, o artigo 225 impõe ao Estado o dever de proteger a natureza, a fauna e os processos ecológicos. Assim Ministro Herman Benjamin do STJ compreende, em parte, que a Constituição já ampara uma visão que vai além do olhar antropocêntrico, no parágrafo 1º, inciso I, para abarcar uma visão biocêntrica e em partes ecocêntrica, “ao propor-se a amparar a totalidade da vida e suas bases” (BENJAMIN, 2008). Assim, a Constituição estaria preparada para receber uma evolução do debate filosófico acerca de uma transição paradigmática para uma visão biocêntrica, ecocêntrica. A decisão em análise abarca essa transição e inclusive afirma que é “necessário repensar a concepção kantiana individualista e antropocêntrica da dignidade e de avançar rumo a uma compreensão ecológica da dignidade da pessoa e da vida em geral” (STJ, 2019). Nesse sentido, o relator chega ao ponto de considerar o atual artigo 82 do Código Civil, que trata de animais como “bem de categoria móvel”, como objetificação incongruente com o conteúdo da Constituição Federal de 1988. Observa-se que, anteriormente, os votos da Ministra Rosa Weber e do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), na ação direta de inconstitucionalidade da vaquejada (ADI 4983, 2016), também trataram de transição paradigmática, demonstrando a abertura da Corte Suprema a uma interpretação biocêntrica. Segundo o voto da Ministra Weber, a “Constituição confere valor intrínseco também às formas de vidas não humanas, no caso, os seres sencientes” (STF, 2016). Na mesma linha, no caso do papagaio Verdinho, apesar de ser inovadora, a decisão tem como maior enfoque o bem-estar do animal, o afeto e os sentimentos mútuos entre animal como maiores pressupostos para a sua interpretação ampla do princípio da dignidade. Sendo assim, ela permite interpretação mais alinhada ao que Braga Lourenço considera uma visão biocêntrica mitigada, limitada aos seres sencientes3 . Por outro lado, ao citar o neoconstitucionalismo sul-americano, em especial a Constituição da Bolívia (2009) e do Equador (2008), o Acórdão (STJ, 2019) se refere a um constitucionalismo que rompe não apenas com o paradigma antropocêntrico, mas também com o paradigma monista e positivista, advindo da racionalidade iluminista. Trata-se de um direito que traz um paradigma ecocêntrico de maneira intrinsecamente ligada ao pluralismo jurídico, ideia de que existem outros sistemas jurídicos, outras fontes normativas, incluindo os direitos dos povos indígenas e tradicionais que entendem a natureza como ente autônomo e sagrado, a “ Pachamama ” (ACOSTA, 2016). Ainda, é um direito que resgata essas fontes normativas e as insere também no direito formal, que passa a refletir 3 Segundo Lourenço, o paradigma que abarca apenas animais sencientes seria um paradigma biocêntrico mitigado (LOURENÇO, 2019).

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