Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na jurisprudência brasileira 85 Antônio Carlos Wolkmer (2010) como possibilidade teórica do paradigma emergente que transporta a centralidade, a interpretação jurídica para os princípios constitucionais. Para além disso, essa interpretação ampla da dignidade humana é amparada, segundo a decisão, pelo art. 225, parágrafo 1º, VII da Constituição Federal que traz, de forma expressa, que o Estado deve “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. Assim, o retorno do animal ao seu estado de natureza colocaria em dúvida a viabilidade de uma readaptação e violaria sua dignidade, conforme o conceito amplo pautado na interpretação conjunta do art. 255, parágrafo 1o , VII e o princípio da dignidade humana. O voto do Ministro foi mantido e referendado pelo restante da 2a Turma do STJ, composta pelos Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin. Embora a ementa não entre no mérito dos direitos da natureza, reflete que houve violação da “dimensão ecológica do princípio da dignidade humana”. 6.3 MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO PARADIGMÁTICA O paradigma antropocêntrico que predominou ao longo da era moderna capitalista ocidental, era pautado numa visão utilitarista, em que a natureza animada e inanimada estaria ao servir dos humanos. O movimento pelos Direitos da Natureza, por sua vez, é amparado nas cosmovisoes de muitas sociedades indígenas e outras sociedades tradicionais, que, em suas culturas próprias, têm uma visão de mundo que se aproxima mais de outro paradigma, biocêntrico ou mesmo ecocêntrico. Segundo Daniel Braga Lourenço (2019), o paradigma biocêntrico abarca apenas os seres vivos, incluindo plantas e animais, enquanto o paradigma ecocêntrico abarca a totalidade dos ecossistemas, incluindo seres inanimados e os processos ecossistêmicos naturais os quais são inclusive necessários para toda a vida (LOURENÇO, 2019). Sendo assim, os Direitos da Natureza albergariam ambas as vertentes2 . Ainda, conforme Lourenço, o paradigma que abarca apenas animais sencientes seria considerado um paradigma biocêntrico mitigado (LOURENÇO, 2019). Nessa paisagem, temos o artigo 225, caput, da Constituição Federal que estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito-dever de todos, reservando o direito das futuras gerações, e traz também um dever do poder público e da coletividade para proteger esse direito. Sendo assim, a doutrina e a jurisprudência majoritária compreendem que a constituição abarca um paradigma antropocêntrico alargado. Esse paradigma seria mais amplo, pois vai além de uma visão meramente antropocêntrica e utilitarista à 2 Utilizaremos esses conceitos apesar de não haver consenso, uma vez que outros autores, como Wolkmer, Augustin e Wolkmer (2012) e Acosta (2016) tratam dos Direitos da Natureza como direitos biocentricos (ACOSTA, 2016; WOLKMER; AUGUSTIN; WOLKMER, 2012).

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