Anna Maria Cárcamo 84 atenção para um necessário caminho que nosso próprio ordenamento jurídico se mostra propício a assumir. O STJ, nesse caso, chama atenção pelo cuidado com a fundamentação jurídica do caso, amparando-se em uma série de precedentes do Egrégio Tribunal1 no intuito de corroborar e alicerçar a decisão em tela com presentes alinhadores do mesmo sentido jurídico, de que o direito à apreensão de qualquer animal não pode seguir exclusivamente a ótica da estrita legalidade, tendo por argumento central o princípio da razoabilidade da administração pública (STJ, 2019). No entanto, comparada com as referidas decisões anteriores do STJ no mesmo sentido, inclusive de relatoria do mesmo Ministro Og Fernandes, o caso Verdinho vai além, uma vez que os demais acórdãos decidiam de forma favorável a manutençãodo animal com seu proprietário, porém, pautavam-se no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Tais casos já tratavam de forma superficial do vínculo entre animal e dono, contudo, não se aprofundavam ou mesmo citavam o movimento de direitos da natureza, sua importância teórica e a jurisprudência oriundas de outros países. À luz dos casos citados e na transição paradigmática, o Ministro Og Fernandes entendeu que os direitos fundamentais contidos em nossa Constituição estariam limitados ao serem tratados apenas como direitos humanos, e que deveriam ser ampliados a outras formas de vida. Dessa maneira, como embasamento, o voto citou trechos de Arne Naess, proponente da doutrina deDeep Ecology , sobre a necessidade de reformular o princípio da dignidade para incluir os seres não humanos: “[...] principalmente em relação aos animais não humanos, deve-se reformular o conceito de dignidade, objetivando o reconhecimento de um fim em si mesmo, ou seja, de um valor intrínseco conferido aos seres sensitivos não humanos, que passariam a ter reconhecido o status moral e dividir com o ser humano a mesma comunidade moral” (NAESS apud SARLET; FENSTERSEIFER, 2017 apudSTJ, 2019). Com fundamento na interpretação ampla do conceito de dignidade humana e em outras linhas de argumento, como o princípio da razoabilidade, o Ministro concluiu que, além da violação aos direitos de Maria Angélica, com base no seu vínculo, o apreendimento e possível retorno de Verdinho à natureza, e inclusive a incerteza de seu final paradeiro, violaria os seus próprios direitos e, assim, confirma o texto do acordão que “[...] viola a dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças de ambiente perpetuam o estresse do animal, pondo em dúvida a viabilidade de uma readaptação a um novo ambiente” (STJ, 2019). Temos aqui, mais uma vez, a confirmação de uma racionalidade albergadora da pluralidade jurídica reconhecida por Boaventura de Sousa Santos (2002) e 1 Vide: STJ, AgRg no AREsp 333105/PB, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/09/2014; AgRg no AREsp 345926/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e REsp 1.084.347/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2010. AgRg no REsp 1.483.969/ CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014.
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