Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na jurisprudência brasileira 83 a ampliação do princípio de dignidade, art. 1º, III, da Constituição Federal da República de 1988, aos animais. Destaca-se a fundamentação em voto elaborado pelo Relator, Ministro Og Fernandes, que, amparado no direito comparado e na relação de afeto entre humanos e não humanos, trouxe essa interpretação estendida da Constituição. Com base no seu voto, a corte rejeitou a interpretação meramente antropocêntrica da Constituição em favor de um paradigma biocêntrico ou até mesmo ecocêntrico. Além disso, o voto do Ministro relator Og Fernandes se apoiou no Direito comparado e citou como referência as Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), que tratam dos direitos da natureza e o conceito dePachamama, ou Mãe Terra. Portanto, se refere expressamente ao movimento jurídico dos direitos da natureza, por exemplo, nos trechos abaixo: Os países latino-americanos têm sido pioneiros em um tipo de constitucionalismo que preza pela “consciência ecológica, unindo o conceito milenar Panchamama dos povos andinos, que representa a Terra como titular de direitos, pois é a expressão máxima da vida e de todos os seres (humanos ou não) e a teoria andina contemporânea, que considera Gaia (Terra) como um ser vivo que se autorregula pela convivência harmoniosa de seus seres”. Dois “marcos importantes dessa inovação no modo de pensar a proteção ambiental são as atuais Constituições do Equador e da Bolívia [...]" (STJ, 2019). Essa visão da natureza como expressão da vida na sua totalidade possibilita que o “Direito Constitucional e as demais áreas do direito reconheçam o meio ambiente e os animais não humanos como seres de valor próprio, merecendo, portanto, respeito e cuidado, de sorte que pode o ordenamento jurídico atribuir- -lhes titularidade de direitos e de dignidade” (BOFF, 2003; FODOR, 2016 apud STJ, 2019). Para além disso, o voto citou a jurisprudência da Colômbia, que atribuiu a personalidade jurídica ao Rio Atrato, acrescida por reflexões importantes, que nitidamente transcendem o viés antropocêntrico dominante: O fator mais importante desta reflexão, pois, assenta-se em um redimensionamento do ser humano com a natureza a partir de um enfoque do direito biocêntrico e não somente antropocêntrico, os quais se traduzem em uma profunda unidade e interdependência entre a natureza e a espécie humana (CÂMARA; FERNANDES, 2016; TOLENTINO; OLIVEIRA, 2015 apud STJ, 2019). Dando sequência a uma visão que prioriza a racionalidade pluralista dos direitos, reforça o STJ: “A natureza não é algo apartado da espécie humana e os demais seres da coletividade planetária, assim como os seres humanos são a própria natureza em sua universalidade e diversidade” (OLIVEIRA, 2016 apud STJ, 2019). O que nos leva a concluir que essa relação de interdependência entre o humano e a natureza rompe com a visão utilitarista da natureza, uma das principais características do pensamento liberal moderno e antropocêntrico, de dominação da natureza. Assim, as citadas inovações do direito latino-americano chamam

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