Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Chantelle da Silva Teixeira 66 A decisão da Corte IDH reconheceu que as sociedades indígenas se estruturam com base na sua relação profunda com a terra, a natureza, a Pachamama. É dizer, a relação desses povos com o território é condição de sua própria existência. Assim, esta maneira de compreender a terra e a natureza, distinta daquela fundada no modelo liberal, que tem a terra e seus “recursos” naturais como mercadoria e sustenta o instituto da propriedade privada, apresenta uma nova racionalidade de conceber a relação da humanidade com espaço que ocupa e, neste estudo, a relação destes povos com este espaço geográfico como elemento material e espiritual. 4.5 A RELAÇÃO DO CASO COM OS DIREITOS DA NATUREZA Em função de seu entorno, sua integração com a natureza e sua história, as comunidades indígenas transmitem, de geração em geração, este patrimônio cultural imaterial, que é recriado constantemente. O território, local de moradia dos encantados e dos caboclos da mata, local que abriga a Pedra do Rei e tantos outros símbolos sagrados para os Xukuru é aspecto primordial de sua identidade étnica e, portanto, de sua sobrevivência como povo. Na legislação nacional, bem como na jurisprudência consolidada do SIDH, os povos indígenas têm direito ao reconhecimento e proteção de suas versões específicas do direito ao uso e ao gozo dos elementos da natureza, dados pela cultura, usos, costumes, crenças e tradições de cada povo indígena. Nesse sentido, os povos indígenas e outras sociedades culturalmente diversas da sociedade majoritária organizada em Estado de Direito, cujas normas jurídicas se baseiam em uma racionalidade antropocêntrica, apresentam um novo paradigma para a relação dos seres humanos com espaço vivo que habitam. A Constituição brasileira de 1988 ao, finalmente, reconhecer nossa sociedade como pluriétnica e multicultural, amparou as cosmovisões, as culturas, os usos, costumes, crenças e tradições dos povos indígenas, sobretudo reconheceu que os modos distintos e profundos de se relacionar com a terra e a natureza são quesitos fundamentais para o reconhecimento oficial de seu território através do processo de demarcação. No Caso dos Xukuru vs. Brasil, a Corte IDH afirmou e aprofundou esse entendimento, reconhecendo, inclusive, que o sistema jurídico interno brasileiro ampara as perspectivas indígenas reconhecendo seus modos de vida e sua relação com a terra e a natureza. Podemos considerar que há, nestes casos, o pluralismo jurídico, reconhecido na existência de uma multiplicidade de formas de jurisdicidades heterogêneas que não se reduzem entre si e implicam a aceitação de um Direito paralelo ao oficial, que surge das práticas comunitárias e que tem sua legitimidade assentada não no caráter estatal de sua fonte ou nos procedimentos formais preestabelecidos para sua validade, mas no reconhecimento e eficácia social que possui para as comunidades indígenas. Para Maliska (2000), um pluralismo jurídico factível reconhece a legitimidade das conquistas já asseguradas no plano jurídico estatal, como é o caso do artigo 231 da Constituição Federal e da contribuição que a atuação de operadores

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