Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Povo Xukuru vs. Brasil: um paradigma da Corte Interamericana de Direitos Humanos na construção... 65 Já na sentença do caso “Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay”, a CIDH (OEA, 2010) consolida alguns critérios sobre a terra comunal que serviram na fundamentação em casos posteriores: OTribunal relembra sua jurisprudência relacionada à propriedade comunitária das terras indígenas segundo a qual: 1) a possessão tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes ao título de pleno domínio que outorga o Estado; 2) a possessão tradicional outorga aos indígenas o direito a exigir o reconhecimento oficial da propriedade e seu registro; 3) o Estado deve delimitar, demarcar e outorgar título coletivo das terras aos membros das comunidades indígenas; 4) os membros dos povos indígenas que, por causas alheias a sua vontade, tem saído ou perdido a posição das suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre as mesmas, ainda que sem título legal, salvo quando as terras tenham sido legitimamente transmitidas a terceiros de boa-fé; e 5) os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a possessão das suas terras, e tenham sido transmitidas legitimamente a terceiros inocentes, tem direito a recuperá-las ou a receber outras terras de igual extensão e qualidade (tradução da autora) (OEA, 2010). Na sentença do Caso Xukuru em estudo, a Corte reafirmou o entendimento consolidado em sentenças anteriores, com fundamento no artigo 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos5 , o qual se aplica também para a garantia e proteção de territórios indígenas, ainda que divergentes da concepção clássica de propriedade privada que inspirou a elaboração do dispositivo. Neste sentido, a Corte afirmou que: [...]A Corte recorda que o artigo 21 da Convenção Americana protege o estreito vínculo que os povos indígenas mantêm com suas terras bem como com seus recursos naturais e com os elementos incorporais que neles se originam. Entre os povos indígenas e tribais existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da terra, no sentido de que a posse desta não se centra em um indivíduo, mas no grupo e sua comunidade. 106 Essas noções do domínio e da posse sobre as terras não necessariamente correspondem à concepção clássica de propriedade, mas a Corte estabeleceu que merecem igual proteção do artigo 21 da Convenção Americana. Desconhecer as versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens, dadas pela cultura, usos, costumes e crenças de cada povo, equivaleria a afirmar que só existe uma forma de usar os bens, e deles dispor, o que, por sua vez, significaria tornar ilusória a proteção desses coletivos por meio dessa disposição. 107 Ao se desconhecer o direito ancestral dos membros das comunidades indígenas sobre seus territórios, se poderia afetar outros direitos básicos, como o direito à identidade cultural e à própria sobrevivência das comunidades indígenas e seus membros (OEA, 2018). 5 Artigo 21: Direito à Propriedade Privada. 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social; 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei; 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei (BRASIL, 1992).

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