Povo Xukuru vs. Brasil: um paradigma da Corte Interamericana de Direitos Humanos na construção... 63 tes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7ºNão se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. (BRASIL, 1988) Cabe ressaltar aqui a complementação do artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são bens da União. Desse modo, grande parte da doutrina reconhece que a outorga constitucional das terras indígenas ao domínio da União objetiva preservá-las, ou seja, cria-se uma propriedade vinculada ou reservada que visa à garantia dos direitos dos povos indígenas sobre elas. Sobre a posse das terras indígenas. Souza Filho faz importantes considerações: Utilizando institutos jurídicos existentes e complexos, como a diferença entre posse e propriedade, a lei brasileira logrou criar uma situação especial para os povos indígenas e seus territórios, fazendo-os de propriedade pública, estatal, e posse privada, mas coletiva, não identificável individualmente. O conceito jurídico de terra indígena, portanto, foi construído a partir da realidade, a ocupação da área pelo povo indígena, mas caracterizou-a como um atributo jurídico, a posse. No sistema jurídico brasileiro atual, a terra indígena é propriedade da União Federal, mas destinada à posse permanente dos índios, a quem cabe o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (SOUZA FILHO, 2005, p. 121). As terras indígenas são bens da União vinculados ao cumprimento dos direitos indígenas sobre elas previstos constitucionalmente como direitos originários nos termos do artigo 231, caput , CF/88. Entende-se que o Poder Constituinte Originário objetivou, ao utilizar o vocábulo originários, elucidar que o direito dos povos e comunidades indígenas sobre as terras que ocupam antecede qualquer ato administrativo do governo que objetive seu reconhecimento, logo, esse direito seria natural/congênito, posto que antecede ao Direito Positivo, evocando, para tanto, o instituto do Indigenato. Nesse sentido, é direito primeiro e congênito dos povos originários sobre os territórios por eles ocupados, independente de títulos ou reconhecimento formal, assim expresso por José Afonso da Silva: O INDIGENATO . Os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direitos originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica lusobrasileira que dita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1.º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 06 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas (SILVA, 2000, p. 831).
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