Direitos da Natureza: marcos para a construção de uma teoria geral

Monti Aguirre e Anna Maria Cárcamo 52 utiliza 82% da água das nascentes do rio para energia hidrelétrica (O’DONNEL; TALBOT-JONES, 2018). Por outro lado, a lei transfere toda terra de propriedade pública na bacia do rio para a gestão Te Awa Tupua, e estabelece que a gestão deve ocorrer de modo a retratar “os valores que representem a essência do Te Awa Tupua”. Portanto, o rio deve ser gerido de modo a manter a sua integridade, o seu valor espiritual e os seus serviços ecossistêmicos aos Maori e outras comunidades locais de maneira sustentável. Entretanto, por ser muito recente, ainda não é possível avaliar se a sua implementação está ocorrendo de forma a cumprir os valores e objetivos delineados na lei de maneira efetiva. 3.4 RECOMENDAÇÕES PARA O CONTEXTO BRASILEIRO Como mencionado, o contexto neozelandês se diferencia muito do brasileiro. O reconhecimento da pluralidade jurídica e dos direitos dos Maori sobre suas terras, com fundamento no Tratado de Waitangi, e a existência de Tribunal Waitangi foram fundamentais para permitir que os Maori garantissem esse direito e o reconhecimento dos Direitos da Natureza em si. Esses direitos inexistiam no Brasil até 1988, que também não possui tribunal autônomo sobre a temática. Por sua vez, o Brasil, atualmente garante o reconhecimento do direito originário dos povos indígenas às terras (art. 231 da CRFB) e dos quilombolas (art. 68 ADCT), bem como de suas culturas (art. 231, 215 e 216 da CRFB), conquistas desses povos que foram apenas consolidadas através da Constituição de 1988. A mesma também estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e prevê o dever de todos, especialmente do Estado, a preservá-lo para presentes e futuras gerações (art. 225 da CRFB). Ainda, o ordenamento jurídico brasileiro conta com a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei n° 6.938 de 1981, que é semelhante à legislação ambiental que existe na Nova Zelândia. Tal legislação é um marco por tratar do meio ambiente como um todo, mas não inclui visão espiritual e cultural da natureza e do valor intrínseco da mesma. O Brasil também ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a autodeterminação dos povos indígenas e tribais e, portanto, vigora como lei no país. Ainda, é Estado-membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), que possuem a Declaração Americana dos Direitos Indígenas da OEA e da ONU, respectivamente, bem como da Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), cujo precedente é vinculante em nosso país. A jurisprudência da CIDH é inequívoca ao estabelecer os direitos dos povos indígenas em relação às suas terras e ambiente, no sentido de vincular a propriedade coletiva indígena aos direitos soberanos sobre os recursos naturais nele contidos (MOREIRA, 2017). Dessa forma, existe no ordenamento jurídico brasileiro e internacional amparo legal para possível desenvolvimento na interpretação no sentido de subsidiar os Direitos da Natureza a partir dos direitos e das culturas indígenas e de demais povos tradicionais, e de suas concepções da natureza.

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