O Rio Whanganui e o povo Maori: reconhecimento e garantia dos Direitos da Natureza 49 urbanos, trouxeram uma degradação do rio e das matas ciliares, levando à erosão do mesmo (WARNE, 2019; GOECKERITZ, 2020). Em 1903, a situação se deteriorou, devido a uma lei que estabeleceu a propriedade de todas as águas navegáveis ao governo, em contradição ao Tratado de Waitangi (WARNE, 2019). Ainda os Maoris perderam o acesso às suas terras tradicionais e áreas de pesca, inclusive pela criação de parques nacionais, e passaram a viver na pobreza (GOECKERITZ, 2020). Os Maori nunca desistiram de lutar por seu rio, foram inúmeras vezes ao Congresso e ingressaram com litígios em múltiplas cortes a respeito da titularidade do rio. Especificamente, desde 1873, pleiteavam seus direitos com base no Tratado de Waitangi, que reconhecia os direitos dos Maori sobre as suas terras (O’DONNEL; TALBOT-JONES, 2018). Um desses litígios, Wai 167 , foi levado ao Tribunal Waitangi, que em 1999 reconheceu a propriedade do rio por parte dos Maori (WAITANGI TRIBUNAL, 1999), que desencadeou um processo de negociações. Apenas após 140 anos de litígios e negociações entre os Maori e o Estado, este reconheceu o rio como entidade viva que deve ser protegida de modo a preservar a continuidade de sua existência em plenitude. O Ministro da Nova Zelândia, responsável pelas negociações e pelo Tratado de Waitangi, reconheceu que para se chegar ao entendimento foi necessário o afastamento de conceitos ocidentais e a abertura à compreensão de como os Maori viam o rio (Christopher Finlayson, entrevista em Goeckeritz, 2020). 3.2 SISTEMA JURÍDICO DA NOVA ZELÂNDIA Para melhor compreensão do caso, é importante destacar que o sistema jurídico neozelandês é muito dessemelhante do brasileiro, além de teoricamente existir uma relação de maior paridade entre os Maori e o governo, por conta de um processo de colonização diferente e mais tardio que o brasileiro. Devido ao tratado Waitangi de 1840, realizado com a Coroa, os Maori obtiveram o reconhecimento da soberania sobre suas terras. O tratado, em seu artigo 2º, reconheceu aos povos Maori a “inteira, exclusiva e imperturbada posse de suas terras, florestas, áreas de pesca e outras propriedades que possuem de forma individual e coletiva” (tradução livre). Assim, desde a colonização, os Maori, dispunham de direitos sobre a terra e reconhecimento de seu próprio regime jurídico. Entretanto, a implementação do Tratado trouxe consigo violações de direitos, uma vez que a noção de posse de terras era distinta entre os Maori e os britânicos, pois os britânicos viam a terra como fonte de commodities e lucro, enquanto os Maori a viam como um ser com quem tinham um “vínculo transcendental”, e a interpretação britânica preponderava (BANNER, 1999). Na Nova Zelândia, além do direito Maori predomina um sistema deCommon Law , decorrente de sua colonização pela Coroa Inglesa. Nesse direito existe uma corte ambiental específica, “Environment Court”, que pauta suas decisões
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